Jogo de futebol arrecada comida para haitianos na Amazônia brasileira

Tabatinga (AM): Haitianos em frente à Igreja do Divino Espiríto Santo, onde estão alojados. Foto: ACNUR Brasil.TABATINGA (AM). Às vésperas do início da Copa do Mundo na África do Sul, uma partida de futebol entre Brasil e Haiti no coração da selva amazônica arrecadou alimentos para os cerca de 60 haitianos que se encontram na cidade brasileira de Tabatinga, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.

Realizado último final de semana, no campo de areia do clube “Bola Cheia”, o jogo arrecadou cerca de 80 quilos de alimentos que serão consumidos, nas próximas três semanas, pelos haitianos abrigados pela Pastoral da Mobilidade Humana de Tabatinga. Os haitianos, que jogaram contra atletas brasileiros locais, venceram o jogo por 9 x 8.

A torcida reuniu brasileiros, colombianos e peruanos que convivem nesta distante cidade fronteiriça, às margens do Rio Solimões, na bacia do Rio Amazonas. “Todos ficaram muito felizes, especialmente os haitianos. Os alimentos arrecadados demonstram a solidariedade da população de Tabatinga, que agora está mais conscientizada sobre a presença dos haitianos na cidade”, afirma o Padre Gonzalo Franco, Diretor da Pastoral da Mobilidade Humana.

Os homens, mulheres e crianças do Haiti estão abrigados na Igreja Divino Espírito Santo. Eles chegaram a Tabatinga nas últimas semanas, vindos do Peru. A chegada de haitianos nesta fronteira amazônica se iniciou em janeiro de 2010, após o terremoto que destruiu o Haiti. Em Tabatinga, eles são assistidos pela Pastoral da Mobilidade Humana, parceira do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) naquela região. Também já receberam o apoio da Defesa Civil e a visita de agentes de saúde local.

Sob a coordenação da Pastoral, os haitianos dividem as instalações da igreja, preparam sua própria comida e fazem a limpeza do local. As mulheres cuidam das crianças, e os homens passeiam por Tabatinga e Letícia, cidade colombiana do outro lado da fronteira – uma linha imaginária que é a continuação da principal avendia de Tabatinga.

Muitos dos haitianos já estavam fora do seu país antes de terremoto. Mas outros deixaram o Haiti após a tragédia, como é o caso de Enel Romelus, 32 anos, que trabalhava na construção civil e dava aulas de espanhol em Porto Príncipe. “É impossível dimensionar a tragédia no meu país. A sensação é que tudo acabou e que não temos para onde voltar”, afirma Enel, que saiu do Haiti no final de janeiro e chegou a Tabatinga no início de abril.

Assim como a maioria dos seus conterrâneos, Enel deixou o Haiti em direção à República Dominicana, onde tomou um avião para Lima, capital do Peru. De lá, foi de ônibus até Pucalpa, e de barco para Iquitos e Santa Rosa, na Amazônia peruana. Finalmente, tomou uma pequena embarcação em Santa Rosa e cruzou a fronteira com o Brasil em direção a Tabatinga atravessando o Rio Solimões, num trajeto que dura cerca de dez minutos.

Em território brasileiro, os haitianos estão sendo assistidos pela Pastoral da Mobilidade Humana, que implementa um projeto do ACNUR de assistência humanitária emergencial a solicitantes de refúgio da Colômbia. Ironicamente, apenas quatro cidadãos colombianos solicitaram refúgio em Tabatinga neste ano. Em compensação, cerca de 80 haitianos já passaram por lá desde janeiro – sem contar o grupo que se encontra atualmente na cidade.

Todos os haitianos estão solicitando refúgio às autoridades brasileiras, que aceitam os pedidos de acordo com os compromissos internacionais do país – o Brasil é signatário da Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951. Com os documentos temporários que os identificam como solicitantes de refúgio, deixam Tabatinga em direção a Manaus, numa viagem de barco que pode durar até sete dias.

Em Manaus, seguem sob assistência do ACNUR e dos seus parceiros, onde têm a oportunidade de iniciar atividades de integração à sociedade local. Entrentanto, muito abandonam os pedidos de refúgio e deixam de contatar os assistentes sociais, os funcionários do governo brasileiro e até mesmo o ACNUR.

“Neste caso, é possível que estejam saindo do Brasil em direção a outros países. É um comportamento atípico para solicitantes de refúgio, o que pode indicar que estas pessoas estejam apenas de passagem pelo Brasil”, analisa o representante do ACNUR no país, Andres Ramirez. “Mas por razões humanitárias, continuamos prestando assistência humanitária emergencial e temporária aos que chegam”, afirma Ramirez.

Em linha com as convenções internacionais, a legislação brasileira não prevê a concessão de refúgio para vítimas de desastres naturais. Por isso, os pedidos de refúgio apresentados pelos haitianos serão encaminhados pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE) ao Conselho Nacional de Imigração (CNIg), que poderá regularizar a permanência destas pessoas no Brasil por razões humanitárias. “É uma ação inteligente das autoridades brasileiras, pois preserva o instituto de refúgio e ampara os haitianos que queiram reconstruir suas vidas no Brasil”, afirma o representante do ACNUR.

Entre os haitianos que se encontram atualmente em Tabatinga, Enel Romelus é um dos poucos que fala espanhol – a maioria se comunica em francês ou em creole. Por isso, tem ajudado a Pastoral da Mobilidade Humana a se comunicar com os demais haitianos e apoiado seus conterrâneos no supermercado, no posto telefônico e nas entrevistas com autoridades migratórias. “Quero conseguir um trabalho para ajudar minha família, que permanece no Haiti’, afirma Enel, se referindo ao pai, à mulher e aos três filhos.

Animado com o resultado do jogo de ontem, o diretor da Pastoral da Mobilidade Humana elogia a comunidade local e revela os próximos passos desta iniciativa. “Foi uma demonstração de solidariedade com os haitianos, neste momento difícil que eles atravessam. Em breve, organizaremos uma nova partida com uma equipe de colombianos”, afirma o padre Gonzalo Franco, buscando se beneficar das particularides desta fronteira brasileira.

Luiz Fernando Godinho, de Tabatinga (AM), ACNUR.

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