O sofrimento da menina-soldado

Ainda que hoje se conheça melhor a difícil situação das crianças envolvidas em conflitos armados no mundo inteiro, as condições das meninas continuam a ser ignoradas. Vítimas frequentes de violência e exploração sexuais, elas são recrutadas por grupos rebeldes como combatentes e “escravas sexuais”. Muitas vezes, mesmo quando são libertadas, o estigma do estupro e o de sua associação com as milícias subsiste.

A História

A forma como Eva, de apenas 13 anos, pega no seu bebê de quatro meses, mostra bem o peso de seu sofrimento. Ela foi seqüestrada a caminho da escola, estuprada, submetida à nudez forçada e utilizada como escrava sexual por um grupo armado dissidente do leste do Congo, durante mais de dois anos. Rejeitada por várias comunidades, perambulou de aldeia em aldeia até encontrar refúgio no Hospital de Panzi, em Bukavu, na República Democrática do Congo (RDC).

“Não vemos as meninas durante nossas intervenções porque muitas delas não querem se apresentar, para não serem identificadas como concubinas ou para evitar que os filhos sejam apontados como bebês rebeldes”, diz a Representante Especial do Secretário-Geral para as Crianças em Conflitos Armados, Radhika Cooormarazwamy.

É freqüente as comunidades estigmatizarem e excluírem as meninas devido à sua associação com os grupos rebeldes e à desonra de terem sido estupradas. Mas, ironicamente, mesmo que a associação entre os perpetradores e as vítimas tenha começado pelo seqüestro, a violação e a violência, após alguns anos, podem formar-se “células familiares” que incluem os filhos nascidos da violência sexual. Muitas vezes, os grupos rebeldes recusam-se categoricamente a libertar as meninas, mesmo depois de terem se comprometido a libertar as crianças.

Para as crianças-soldado pode ser um processo complexo e difícil, que exige acompanhamento psicológico, vigilância e outros tipos de cuidados que ultrapassem a ajuda financeira e educativa. No caso das meninas, muitas das quais se tornaram mães, refazer a vida exige apoio em longo prazo. Recuperar a confiança emocional e reconciliar-se com a família e a comunidade é tão importante quanto ter acesso à educação e a um meio de subsistência. Uma abordagem sólida na comunidade oferece as melhores hipóteses de êxito.  E este deve ser o objetivo da comunidade internacional, que deverá simultaneamente garantir que aqueles que escravizaram crianças-soldado não fiquem impunes.

O contexto

  • O relatório do Secretário-Geral sobre a situação das crianças em conflitos armados (A/62/609-S/2007/757) enumera uma lista de 58 partes (Estados e atores não-estatais) que recrutam ou utilizam crianças em situações de conflito armado em 13 países do mundo. Segundo a definição da Convenção sobre os Direitos da Criança, são considerados como crianças os menores de 18 anos.
  • Os relatórios elaborados nos últimos dez anos citam um número de cerca de 250 mil a 300 mil crianças associadas às forças armadas ou a grupos armados. No norte de Uganda, aproximadamente um terço das crianças-soldado são meninas, especialmente vulneráveis. O fenômeno das meninas-soldado é subestimado e ignorado em nível mundial, mas é uma faceta importante do recrutamento de crianças.
  • As meninas, sobretudo as adolescentes, são mais vulneráveis às violências sexuais –  incluindo o estupro, a escravidão sexual, a mutilação, o tráfico, a prostituição forçada, o casamento e a concepção forçados. Muitas delas correm o risco de contrair o vírus HIV/aids e de serem recrutadas por milícias como combatentes, cozinheiras, carregadoras, espiãs e escravas sexuais.
  • A utilização do estupro e da violência sexuais como uma tática de guerra – e a impunidade de que os culpados gozam – constitui um risco especial para as meninas em zonas de conflito. Na República Democrática do Congo, por exemplo, 33% do total de vítimas de estupro são crianças.
  • Os representantes de 58 países reuniram-se em Paris, em fevereiro de 2007, e comprometeram-se a pôr fim ao recrutamento ilícito das crianças pelas forças armadas e a sua utilização em combates. A Conferência de Paris, organizada pelo Governo da França e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), reuniu os países afetados pela utilização de crianças-soldado e os países doadores, para fazer face ao recrutamento de crianças e mobilizar a vontade política para enfrentar o problema.
  • Os Princípios e Diretivas de Paris sobre Crianças Associadas a Grupos Armados estabelecem duas maneiras de abordar o problema das crianças-soldado: uma é o empenho firme da comunidade internacional na abolição desta prática e a outra é zelar para que esse empenho se traduza numa proteção real e constante das crianças e de suas famílias, quando voltam para a vida civil. Em outubro de 2007, juntaram-se aos 58 países originais mais sete que aprovaram as diretivas para aderir a práticas apropriadas com vistas a pôr fim à utilização das crianças em conflitos armados.

Para mais informações:

Escritório da Representante Especial do Secretário-Geral para as Crianças em Conflitos Armados:
Laurence Gerard, Tel: +1-212-963-0984
Luca Solimeo, Tel + 1-917-367-3563

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