As forças de paz das Nações Unidas, por Hervé Ladsous e Ameerah Haq

Por Hervé Ladsous e Ameerah Haq (*)

Integrantes ruandeses das Forças de Paz da ONU no Sudão do Sul. Foto: ONU/Isaac Billy
Integrantes ruandeses das Forças de Paz da ONU no Sudão do Sul. Foto: ONU/Isaac Billy

Era uma noite escura de fevereiro na montanhosa província de Kivu do Norte, no leste da República Democrática do Congo (RDC). Às 2h45, um pequeno e silencioso veículo aéreo não tripulado (Vant) circulou no céu em uma vila no território Masisi e enviou imagens ao vivo de um grupo armado que acabara de invadir um posto militar. Enquanto o Vant enviava as imagens, oficiais se preparavam para agir, caso a população civil fosse ameaçada. O ataque não aconteceu, mas, se tivesse, os saqueadores teriam recebido desagradáveis boas-vindas.

Essa cena não é de um filme de Hollywood –aconteceu na missão de paz da ONU (Organização das Nações Unidas) na RDC, comandada pelo general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz.

No dia 29 de maio foi celebrado o Dia Internacional dos Trabalhadores das Forças de Paz e honramos os 106 capacetes-azuis que perderam suas vidas em 2013. No ano passado, as forças de paz da ONU precisaram se adaptar a novas ameaças e desafios, ajudando mais pessoas do que nunca em alguns dos conflitos mais complexos do mundo.

Em abril, o Conselho de Segurança estabeleceu a mais nova missão de paz, na República Centro-Africana, país que vive uma violência generalizada. Assim que chegarem, os 12 mil militares e policiais dessa missão protegerão a população, cristãos ou muçulmanos, e ajudarão as autoridades a restabelecer as instituições para garantir a estabilidade em longo prazo.

Já a missão em Mali enfrenta a constante ameaça de ataques assimétricos e da violência em ebulição, à medida que promove o diálogo inclusivo e um acordo sustentável para o conflito.

No Sudão do Sul, a nação mais jovem do mundo, a missão opera em meio a uma crise política que já deixou milhares de mortos e milhões de desabrigados.

Em 2013, para enfrentar os desafios de proteger civis na RDC, lançamos o Vant, uma inovação tecnológica. Ao leste do país, onde comunidades estão sob a ameaça de milícias armadas, enviamos uma brigada de intervenção para ajudar o exército congolês. Em novembro, a brigada ajudou a derrotar o M23, um grupo armado de Kivu do Norte, ao liberar áreas sob seu controle e remover a ameaça imposta aos civis.

Os capacetes-azuis também estão ficando mais “verdes”. Estamos utilizando dados de sistemas de informação geográfica para encontrar fontes de água para as missões e não impactar o suprimento local. O tratamento da água e reciclagem está instalado em nove missões, e deve ser implementado em todas em breve.

Com 65 anos, as forças de paz da ONU continuam fazendo trabalhos desafiadores em locais difíceis. Elas têm uma legitimidade única e universal. Com um orçamento anual equivalente a 0,5% dos gastos militares totais do mundo, não são apenas indispensáveis como também, em palavras simples, um bom investimento.

Ao lembrarmos nossos colegas caídos, nos comprometemos com uma força pela paz, uma força pela mudança, uma força pelo futuro.

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Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 4 de junho de 2014. HERVÉ LADSOUS é subsecretário-geral do Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas. AMEERAH HAQ é subsecretária-geral do Departamento de Apoio em Campo das Nações Unidas.