Papel central das mulheres na luta contra o Holocausto é relembrado em evento no Rio

“Holocausto nunca mais”. Esta foi a frase mais vezes ouvida e repetida por todos os participantes durante um evento realizado no Palácio do Itamaraty, nesta quarta-feira (26/1), que marcou o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Cerca de 350 pessoas lembraram a data, que faz parte do calendário oficial das Nações Unidas e é comemorado todo dia 27 de janeiro, desde 2006.

O tema deste ano – “As mulheres e o Holocausto: coragem e compaixão” – fez justiça às milhões de mulheres e meninas que resistiram à barbárie nazista durante o holocausto, afirmaram diversos convidados da mesa. A cerimônia foi fruto de uma parceria entre o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio) e a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ).

O evento contou com a participação de cerca de 350 pessoas. Foto: UNIC Rio.

O evento contou com a participação de cerca de 350 pessoas. Foto: UNIC Rio.

Na ocasião também foi aberta a exposição “Des-humanize-se”, organizada pelo Instituto Hillel – organização de jovens judeus presente em vários países do mundo. A mostra reúne fotos, textos, vídeos e instalações inspirados nos campos de concentração de Auschwitz-Birkenau, concebida por jovens judeus.

O ator Milton Gonçalves foi o mestre da cerimônia e lembrou que a Assembleia Geral da ONU instituiu o Dia em 2005 e falou sobre o doloroso processo de libertação dos sobreviventes do mais famoso dos campos de concentração nazistas, de Auschwitz.

Milton leu o relato de uma das sobreviventes: “Estas imagens era reais. Eu as vi, cheirei, toquei. Eram muito reais”. E concluiu: “O holocausto foi um acontecimento sem precedentes”. O ator citou algumas das mulheres sobreviventes dos campos de concentração e ressaltou o papel delas no episódio. “Com as vozes que surgem negando o holocausto, cabe a nós relembrar a data”, ressaltou. A cerimônia contou com a presença de diversas personalidades públicas e representantes de comunidades judaicas, bem como outros grupos que foram perseguidos durante o holocausto – como os ciganos, os homossexuais e os negros.

Confira as fotos do evento:
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Após a barbárie, uma luz de esperança

O Diretor do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), Giancarlo Summa, afirmou que o Dia tem o objetivo de honrar todas as vitimas do Holocausto e observou que o 27 de janeiro foi escolhido por ser o aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz, em 1945. Naquele mesmo ano, lembra, alguns meses depois, no fim da Segunda Guerra Mundial, a ONU foi criada num clima de esperança. “E esperança é aquilo que a ONU representa até hoje: uma força a favor da democracia e da liberdade, uma luz de esperança para a dignidade humana, os direitos humanos, as aspirações humanas”, afirmou Summa.

Giancarlo Summa, Diretor do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio). Foto: UNIC Rio.

Giancarlo Summa, Diretor do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio). Foto: UNIC Rio.

Segundo Summa, a ONU foi criada também para impedir que o crime absoluto da “Shoah” pudesse se repetir. “No melhor sentido, a Organização das Nações Unidas foi fruto do sofrimento e da tragédia humana. O papel da Organização continua sendo o de erguer a voz em defesa dos direitos humanos. Proteger os inocentes. Falar em defesa daqueles que, de outro modo, não seriam ouvidos. Oferecer ajuda àqueles que necessitam”, afirmou. “Sem memória, não é possível construir um futuro de justiça e de paz. Por isso a ONU instituiu o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Por isso a ONU apoia a criação de Comissões da Verdade em todos os países que sofreram o arbítrio de ditaduras militares”.

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O Diretor do UNIC Rio também apresentou a mensagem especial do Secretário-Geral da ONU para o Dia a todos os presentes. Assista abaixo:

A Presidenta da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ), Sarita Schaffel, afirmou que a escolha do Itamaraty como sede da cerimônia não poderia ter sido mais acertada, pois o Brasil sempre buscou a diplomacia pacífica, em substituição ao uso da força.

“Faz parte do nosso ideário o respeito à diversidade, o combate à discriminação. Aprendemos com nossos mestres a amar o próximo como a si mesmo”, disse Schaffel. “Neste contexto, a homenagem prestada pela ONU às mulheres do holocausto merece nosso louvor. Do interior de sua casa, onde reiterou sua coragem na Alemanha nazista, essa mulher ainda arrancou forças para lutar contra a barbárie”.

Presidenta da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ), Sarita Schaffel. Foto: UNIC Rio.

Presidenta da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ), Sarita Schaffel. Foto: UNIC Rio.

O Governo do Estado também participou da cerimônia. O Governador do Estado, Sergio Cabral, foi representado pelo Secretário do Meio Ambiente, Carlos Minc. Ele afirmou que a posição oficial do Governo do Estado é de sempre lembrar o holocausto e não permitir que as forças do anti-semitismo, do racismo e da intolerância vençam. “Por que é importante sempre lembrar isso? No parlamento, no governo, em todos os lugares? Primeiro, porque as forças do atraso, as forças da barbárie, sempre estão plantando o vírus da intolerância. Há ditadores que afirmam que o holocausto nunca existiu. É inaceitável esta negação da história. Eles querem abrir caminho para o esquecimento. É importante que esta consciência esteja presente em escolas. Temos que honrar os sobreviventes”, argumentou Minc.

Ele lembrou que atualmente, na Europa, os movimentos neonazistas e neofascistas estão crescendo, e que a cultura e a civilização sempre serão o caminho para combater as trevas. “O holocausto foi a negação da vida em todos os seus aspectos. A destruição da dignidade do ser humano. No mundo inteiro, a ONU é reconhecida na luta pela memória e pelos direitos humanos. A memória se ergue como um bastião contra a barbárie. Holocausto nunca mais”, completou.

A Secretaria de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro, Claudia Costin, representado o Prefeito da Cidade, concordou com a importância de se manter vivas as histórias de sobreviventes. “Precisamos explicar para as crianças porque não queremos o holocausto nunca mais”. Ela lembrou ainda que a intolerância atinge outros povos. “São vários grupos que sofrem perseguição simplesmente porque são diferentes. As crianças precisam aprender a ser, ou seja, a estar em paz com suas raízes, bem como a aprender a viver juntas na diversidade cultural”.

Depoimento de Maria Yefremov

Um dos pontos mais emocionantes da cerimônia foi o testemunho de Maria Yefremov, sobrevivente de um campo de concentração nazista e atualmente com 96 anos de idade. Ela contou que nasceu na Iugoslávia em 1914, ano em que teve início a Primeira Guerra Mundial. Quando terminou, em 1918, Yefremov conta que todos os povos vivam harmoniosamente. “Éramos todos amigos”.

Quando começou a Segunda Guerra mundial, Maria tinha 30 anos e estava grávida de 5 meses. “À época, levaram todos os nossos homens para a Rússia. Voltaram só alguns. Ficamos na Hungria, as mulheres, as crianças, os velhos, até 1944, quando nos juntaram e nos colocaram em um trem”.

Ela conta que em cada vagão os nazistas colocavam cerca de 60 pessoas, que tinham um único direito: o de se sentar. “Eu não me lembro quanto tempo durou a viagem. Lembro-me apenas quando um nazista gritou ‘Aus’ [fora, em alemão]. Nós saímos sem poder levar nada, nenhuma bolsa. Fomos em fila, minha mãe, duas irmãs e uma filha de uma irmã que tinha 10 anos”.

Maria Yefremov, sobrevivente do Holocausto, no momento em que dá um testemunho para o público sobre o horror vivido na Alemanha nazista. Foto: UNIC Rio.

Maria Yefremov, sobrevivente do Holocausto, no momento em que dá um testemunho para o público sobre o horror vivido na Alemanha nazista. Foto: UNIC Rio.

Após sair do vagão, conta, foram levadas a uma mesa com cinco oficiais alemãs nazistas. Um médico – o temido Josef Mengele – era o responsável por dividir as pessoas em dois grupos: os que morreriam imediatamente e os que iriam “ficar na reserva” – ou seja, morrer depois. “Rechts und links” era a ordem dada em alemão: alguns iam para a direita, outros para a esquerda.

Ao notar que os nazistas iam separá-la de sua mãe, ela protestou. “Eu não quero me separar de minha mãe, eu disse. Foi aí que o um oficial me disse que à noite nos encontraríamos novamente. A minha irmã estava grávida”.

Com lágrimas nos olhos, Yefremov descreveu os últimos momentos com a mãe. “Eu olhei o rosto da minha mãe e vi como ela sofreu quando a separaram de suas filhas. Depois disso, nunca mais a vi”.

Combate ao ódio e à discriminação

Fechando a mesa, a Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, afirmou ser um privilégio integrar o governo da primeira presidenta do Brasil, para trabalhar em prol dos direitos humanos – um dos pilares, segundo Maria do Rosário, da Constituição Federal e, portanto, do Brasil. Ela ressaltou a coragem das mulheres do holocausto. “Talvez ainda seja pouco que, como Humanidade, reconheçamos a contribuição destas heroínas na maior genocídio do século XX. Trata-se de um reconhecimento às mulheres que lutaram, resistiram e agiram contra o Holocausto em todos os lugares em que ele esteve presente”.

Ela lembrou Hannah Szenes, poetisa húngara que representa uma geração de mulheres que lutaram contra o nazismo. Ex-paraquedista, morreu antes de completar 23 anos de idade. “No entanto, seu ideal persistiu na História. Quantas mulheres seguiram os passos de Hannah? Difícil saber”, disse Rosário.

Ela também reafirmou que é importante manter viva a lembrança para que nunca mais um episódio como este se repita. “O nazismo promoveu a humilhação e escolheu o povo judeu, mas agiu também contra outras minorias – comunistas, homossexuais, ciganos, negros. É o maior episódio de violência, de barbárie, de covardia da história. Nos envergonha, nos embrutece, jamais deveria ter acontecido. A mulher, geradora da vida, não poderia ficar indiferente. Tantas e tantas mulheres, meninas ainda, anônimas, que procuraram salvar seus filhos, seus irmãos, seus pais”.

Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, cumprimenta policial militar do Rio de Janeiro. Foto: UNIC Rio.

Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, cumprimenta policial militar do Rio de Janeiro. Foto: UNIC Rio.

Segundo a Ministra, a intolerância e a xenofobia ainda não foram extintas. “Mas a humanidade dá importantes passos. O combate ao ódio e à discriminação já não é um ato isolado, mas um ideal compartilhado da sociedade”. Maria do Rosário lembrou que o Brasil é uma das poucas democracias do mundo que garante que, para o crime de racismo, não há fiança ou prescrição. “Nos sentimos engrandecidos pela convivência harmoniosa entre diferentes religiões. Que permaneça o nosso país sendo exemplo de convivência pacífica, essa é a principal contribuição que o Brasil pode dar”.

“A resistência nos elevou numa condição maior e fez com que a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos surgisse e afirmasse que cada um de nós é responsável pela dignidade de cada ser humano”, concluiu.

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Homenagens

Seis velas foram acesas, para lembrar diferentes grupos que sofreram a perseguição de nazistas – entre os quais o Embaixador de Israel; o Superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Nascimento, representando a população LGBT; Alexander Laks, sobrevivente do Holocausto; entre outros.

Ao final da cerimônia uma prece foi realizada, seguida da apresentação de uma canção dos partisans judeus. “Morrer com dignidade era por si próprio corajoso. Resistir contra a força do mal também era. Simplesmente sobreviver foi uma vitória”, concluiu Milton Gonçalves.

(Fotos e entrevista em áudio: Pedro Capello. Texto: UNIC Rio)