Discurso de abertura feito pela Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, em coletiva de imprensa durante a sua missão em Angola

Discurso de abertura feito pela Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, em coletiva de imprensa durante a sua missão em Angola. Luanda, 24 de abril de 2013. Ela visitou o país de 22 a 24 de abril de 2013. Para ler o original em inglês, clique aqui.

“Boa tarde e obrigada por terem vindo.

Esta é a minha primeira visita em Angola como Alta Comissária para os Direitos Humanos e, creio eu, foi a uma viagem proveitosa. Depois de ouvir sobre o progresso que o país tem feito ao longo dos últimos dez anos, eu queria ver por mim mesma o quanto foi alcançado e quais são os principais desafios que permanecem no alcance dos direitos humanos. Gostaria também de agradecer ao governo pelo convite e oferecê-lo os serviços do meu escritório para encontrar soluções para alguns desses desafios.

Durante a minha visita de três dias, conversei com o Presidente José Eduardo dos Santos, os ministros das Relações Exteriores, Justiça e Direitos Humanos, Interior, Família e dos Assuntos das Mulheres, e do Gabinete do Procurador-Geral. Eu também me reuni com os membros do Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça e o governador da província de Lunda-Norte com quem discuti várias questões relacionadas aos imigrantes em situação irregular, e visitei a fronteira com a República Democrática do Congo.

Pouco depois de chegar aqui no domingo [21], eu organizei uma reunião completa e informativa com cerca de 30 membros de organizações da sociedade civil angolana, alguns dos quais vieram de províncias distantes a fim de participar do encontro.

Desde o fim do conflito em 2002, Angola fez, indiscutivelmente, um grande progresso nos últimos dez anos, auxiliado por abundantes recursos naturais, especialmente o petróleo e os diamantes. O Governo tem investido fortemente em infraestrutura, incluindo escolas, instalações médicas, grandes projetos de habitação, água e eletricidade, melhores prisões e milhares de quilômetros de estradas. O trabalho para remover as muitas milhares de minas que ainda estão enterradas no lindo, fértil e extremamente despovoado interior do país prossegue.

Este desenvolvimento não veio sem controvérsias. Duas questões que sempre chamaram a minha atenção são a enorme disparidade que se desenvolveu entre os mais ricos e os mais pobres, e os métodos, por vezes muito duros, usados para expulsar as pessoas de terrenos destinados ao desenvolvimento, especialmente dentro no entorno de Luanda.

Em minha conversa com o Presidente Santos esta manhã, destaquei a importância de reduzir essas disparidades nos próximos quatro ou cinco anos. Questões relacionadas, como a corrupção, o desemprego, o alto custo de vida e a pobreza extrema precisam ser resolvidas antes que o povo fique desiludido, especialmente os jovens do país.

Em minhas conversas com o governo, eu também enfatizei a necessidade de um contínuo fortalecimento das proteções dos direitos humanos dos cidadãos, já que o desenvolvimento de infraestrutura sem o desenvolvimento paralelo dos direitos humanos é insuficiente e autodestrutivo. Em determinadas circunstâncias, isso pode levar a uma agitação social e política, especialmente se uma faixa cada vez maior da população se sentir excluída dos ganhos econômicos do país.

Estou particularmente preocupada com o fato de que milhões de angolanos não tenham sido registrados, incluindo 68% das crianças menores de cinco anos. Isso tem enormes implicações para a sua futura capacidade de desempenhar um papel ativo na sociedade, receberem benefícios e encontrar um emprego, o que poderia levar a problemas de apatridia. Eu entendo que o governo está tomando medidas significativas para corrigir isso, mas eu peço para torná-lo uma prioridade.

O Presidente me disse que, no final da guerra, houve a necessidade de priorizar a infraestrutura, e que o governo agora pretende se concentrar mais nas famílias e melhorar a vida das pessoas. Números apresentados mostram uma diminuição substancial na pobreza. E, em 2013, o governo também aumentou o orçamento para os serviços sociais.

Angola tem uma nova Constituição, que é forte em matéria de direitos humanos, e um Tribunal Constitucional redefinido para garantir que ela seja cumprida. O governo também está trazendo algumas novas leis para fortalecer as proteções garantidas pela Constituição. Ele tem feito progressos impressionantes sobre os direitos das mulheres, em particular com a promulgação da lei sobre a participação da mulher na vida política, o que fez com que 34% dos parlamentares de hoje sejam mulheres, e uma nova e importante Lei contra a Violência Doméstica, aprovada há dois anos. O governo me forneceu detalhes de sua estratégia para tentar aumentar o impacto dessa lei através de programas de educação e conscientização pública.

No entanto, mais leis novas, emendas às leis existentes e implementações adequadas são necessárias para tirar o máximo benefício de uma Constituição baseada nesses princípios. O acesso à justiça é um problema em muitos níveis, e os benefícios do novo Tribunal Constitucional ainda não estão sendo plenamente alcançados, com muito poucos casos-chave sendo trazidos para estimular melhores mudanças nas leis e instituições de apoio do país.

Ainda há problemas, como por exemplo, no conteúdo, interpretação e aplicação das leis sobre a liberdade de expressão e a liberdade de reunião, com a polícia às vezes suprimindo protestos de forma pesada. Além disso, continuamos a receber relatórios periódicos de casos de detenção arbitrária e uso excessivo da força — especialmente, mas não só, em Cabinda.

Durante esta visita, eu questionei com os ministérios competentes os casos não resolvidos de dois organizadores de um protesto de ex-membros das forças armadas que reivindicavam pensões não pagas. Eles desapareceram logo após um comício em maio de 2012. Eu fui assegurada pelo Ministro do Interior e do Gabinete do Procurador-Geral que uma investigação foi iniciada, e espero que em breve haja uma luz sobre o que aconteceu com os dois homens, e que todos os responsáveis por abusos, neste caso, sejam levados à justiça. É imperativo que sempre que há denúncias de abusos por parte das autoridades, ocorram investigações credíveis e transparentes, e que, quando os abusos forem confirmados, os seus autores sejam plenamente responsabilizados perante a lei.

Enquanto os meios de comunicação e, principalmente, os meios de comunicação privados, geralmente são livres para criticar as autoridades em Angola, a lei sobre difamação é uma ameaça ao jornalismo investigativo, e seria melhor substituída por uma lei mais clara sobre o incitamento, o que pode ser um crime. O direito internacional (artigos 19 e 20 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos) estabelece um limite muito alto em termos de quando podem ser colocados limites à liberdade de expressão. Também são necessários esforços para suspender as restrições e ampliar o alcance da mídia independente — especialmente rádio e TV — e para aumentar o acesso de diferentes pontos de vista aos meios de comunicação estatais. A mídia livre e pluralista é um componente essencial de uma democracia multipartidária, e eu peço para que o governo respeite a dissidência.

Uma sociedade civil forte é também vital para uma democracia próspera, e organizações da sociedade civil estão se sentindo claramente vulneráveis e, portanto, limitadas em Angola. A liberdade de reunião, a liberdade de manifestação e a liberdade para investigar e expor os possíveis abusos não devem ser prejudicadas por ameaças e intimidações por parte das autoridades. Espero que o governo estabeleça um diálogo mais construtivo com a sociedade civil.

Angola aboliu a pena de morte há mais de 20 anos. O país também ratificou os mais importantes tratados internacionais de direitos humanos, com as duas exceções notáveis para a Convenção contra a Tortura e a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial. Apesar de eu não perceber que a tortura ou a discriminação racial sejam grandes problemas em Angola, aderir a esses dois tratados demonstraria claramente que o governo está comprometido para que eles nunca se tornem uma questão. Eu peço que o governo ratifique ambas as convenções.

Como mencionei anteriormente, a apropriação de terra para o desenvolvimento é uma questão que frequentemente desperta preocupações. Reconheço que o governo deve liberar terras para a realização de projetos necessários para a construção e o desenvolvimento de uma economia próspera, moderna. No entanto, as pessoas nunca devem ser despejadas e suas casas demolidas sem consulta prévia, remuneração adequada e habitação alternativa disponibilizada.

Muitos assentamentos informais em Angola são o produto de deslocamentos causados pela guerra ou pela extrema pobreza. As pessoas que vivem neles precisam ser tratadas com sensibilidade. Questões como a proximidade de seu novo local de residência com o seu local de trabalho precisam ser levados em conta, ou então os seus meios de subsistência podem ser destruídos junto com suas casas e dignidade. Existem normas internacionais claras sobre a apropriação de bens e realocação de pessoas.

Sugeri ao governo a visita da Relatora Especial da ONU sobre o Direito à Moradia Adequada, e estou feliz que eles tenham aceitado tal visita. Missões feitas por outros peritos independentes nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos — da qual Angola é atualmente um membro — também podem ser de grande benefício.

O outro grande problema que tenho discutido em profundidade durante a minha visita são as persistentes alegações de abusos — especialmente sexual — cometidos por membros das forças de segurança e os oficiais de fronteira. Aceito plenamente que a entrada irregular de dezenas de milhares de migrantes em Angola todos os anos, muitos deles buscando a escavação ilegal de diamantes, está causando grandes problemas para o governo, que tem o direito de definir os limites de migração para regular uma indústria-chave.

Ele também tem o direito de deportar imigrantes em situação irregular, mas deve fazê-lo de forma humana e em plena conformidade com as leis internacionais de direitos humanos. Eu apoio os esforços para resolver esta questão extremamente complexa e difícil a nível regional, e concordei em levantar a questão para uma cooperação mais estreita com a RDC, de onde cerca de 80% dos imigrantes que entram em Angola se originam.

Mas a necessidade de combater as violações dos direitos humanos contra os migrantes em território angolano é da responsabilidade do governo de Angola. Durante a minha visita a uma remota fronteira próxima a Lunda-Norte, recebi indicações de que o abuso sexual de mulheres migrantes continua, bem como o roubo de propriedade. Alegações de abuso sexual de mulheres migrantes ao longo desta fronteira têm persistido durante a maior parte dos últimos dez anos.

Enquanto a escala do problema pode ser contestada, um estupro representa muitos estupros, especialmente quando realizado por um membro das forças de segurança que deveria proteger os civis de crimes. Eu acredito que uma investigação plena e transparente na fronteira está muito atrasada. É preciso haver maior esforço para sensibilizar guardas e policiais de fronteira, e para deixar claro que tais crimes não serão mais tolerados. Qualquer um que tenha abusado sexualmente de qualquer mulher, incluindo as migrantes em situação irregular, deve sentir toda a força da lei.

Uma maneira de melhorar as leis de direitos humanos de Angola, e acompanhar a sua implementação efetiva, seria a criação de uma verdadeira Instituição Nacional de Direitos Humanos (INDH), de acordo com o sistema internacional conhecido como Princípios de Paris. Existem hoje mais de 100 países com tais instituições em todo o mundo, mas Angola não está entre eles. Eu ofereci meus serviços para ajudar a estabelecê-lo, uma vez que os INDHs podem desempenhar um papel verdadeiramente vital no reforço dos direitos humanos — por exemplo, referindo os casos-chave para os Tribunais, assessorando na elaboração de legislação e apoiando as organizações da sociedade civil.

Eu também manifestei a minha vontade, e a do Coordenador Residente das Nações Unidas, para apoiar a nomeação de um Conselheiro de Direitos Humanos do meu escritório para trabalhar em Angola. Eu fico feliz com a resposta positiva do governo a esta sugestão, uma vez que Conselheiros de Direitos Humanos também podem fornecer um apoio inestimável para os governos e Equipes de País da ONU.

Apesar da natureza sensível de alguns dos tópicos que levantei, eu achei o Presidente e seus ministros muito empenhados, e as nossas discussões foram extremamente construtivas. O governo aceitou prontamente que os problemas permanecem e discutimos formas de fazer as melhorias necessárias.

Em geral, minha impressão no final desta visita é que o governo de Angola está verdadeiramente empenhado em melhorar os direitos humanos. Se o governo criar uma robusta Instituição Nacional de Direitos Humanos, se o Tribunal Constitucional for habilitado para fizer jus ao seu potencial, e se as outras instituições-chave do Estado continuarem a lutar pelas melhorias, eu acredito que Angola pode tornar-se um modelo não apenas para a região, mas para muitos outros países também.

Obrigada.”