OMS: proibição não reduz número de abortos e aumenta procedimentos inseguros

Quando abortos são feitos de acordo com as diretrizes e padrões da OMS, o risco de complicações severas ou de morte é insignificante, disse a agência da ONU. Foto: Agência Brasil/Fernando Frazão.
Quando abortos são feitos de acordo com as diretrizes e padrões da OMS, o risco de complicações severas ou de morte é insignificante, disse a agência da ONU. Foto: Agência Brasil/Fernando Frazão.

Globalmente, mais de 25 milhões de abortos inseguros (45% de todos os abortos realizados) ocorreram anualmente entre 2010 e 2014, de acordo com novo estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Instituto Guttmacher publicado na quarta-feira (28) na revista The Lancet. A maioria dos abortos inseguros, ou 97% do total, ocorreram em países em desenvolvimento de África, Ásia e América Latina.

“Crescentes esforços são necessários, especialmente nas regiões em desenvolvimento, para garantir acesso à contracepção e ao aborto seguro”, disse Bela Ganatra, pesquisadora que liderou o estudo e que também é cientista do Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa da OMS.

“Quando mulheres e meninas não podem acessar serviços eficientes de contracepção e aborto seguro, há sérias consequências para sua própria saúde e de suas famílias. Isso não deve acontecer. Mas apesar dos recentes avanços em tecnologia e evidências, muitos abortos inseguros ainda ocorrem, e muitas mulheres continuam a sofrer e a morrer.”

Classificação da segurança no aborto

O novo estudo da The Lancet fornece estimativas sobre abortos seguros e inseguros globalmente. Pela primeira vez, inclui sub-classificações na categoria de aborto inseguro como “menos seguro” ou “pouco seguro”. A distinção permite mais nuances para entender as diferentes circunstâncias do aborto entre mulheres que não têm acesso a abortos seguros e a médicos treinados.

Quando abortos são feitos de acordo com as diretrizes e padrões da OMS, o risco de complicações severas ou de morte é insignificante. Aproximadamente 55% de todos os abortos de 2010 a 2014 foram conduzidos de maneira segura, o que significa que foram realizados por profissionais da saúde treinados, usando métodos recomendados pela OMS e de acordo com a duração da gravidez.

Quase um terço (31%) dos abortos foram “menos seguros”, o que significa que foram realizados por um profissional treinado usando um método inseguro ou desatualizado, como a curetagem acentuada, ou por uma pessoa não treinada que, no entanto, utilizou um método seguro, como o misoprostol, um medicamento que pode ser usado para muitos propósitos médicos, incluindo a indução ao aborto.

Cerca de 14% foram considerados abortos “pouco seguros”, realizados por pessoas não treinadas usando métodos perigosos como a introdução de objetos estranhos e o uso de chás. Altos índices de mortes foram registrados em regiões onde os abortos ocorreram em circunstâncias pouco seguras. As complicações podem ser aborto incompleto (falha em remover todo tecido de gravidez do útero), hemorragia, ferimentos vaginais, cervicais e uterinos, e infecções.

Legislações restritivas com altas taxas de abortos inseguros

O estudo também olhou para contextos que mais frequentemente resultam na busca por abortos inseguros, incluindo as leis e políticas dos países sobre o procedimento, o custo financeiro para acessar os serviços de aborto seguro, a disponibilidade desses serviços e de profissionais treinados, e as atitudes da sociedade em relação ao aborto e à igualdade de gênero.

Em países onde o aborto é completamente proibido ou permitido somente no caso de a vida ou a saúde física da mulher estar em risco, apenas um em cada quatro abortos é seguro. Em países onde o aborto é legal em termos mais amplos, aproximadamente nove entre dez abortos são realizados de maneira segura. Restringir o acesso ao procedimento não reduz o número de abortos realizados, segundo o estudo.

A maior parte dos abortos feitos no Oeste e no Norte da Europa e na América do Norte é segura. Essas regiões também têm as menores taxas de aborto. A maior parte dos países dessas regiões também tem relativamente permissivas leis de aborto; altos níveis de uso de contraceptivos, desenvolvimento econômico e igualdade de gênero; assim como serviços de saúde de alta qualidade — fatores que contribuem para tornar os abortos mais seguros.

“Assim como outros procedimentos médicos comuns, o aborto é muito seguro quando feito de acordo com diretrizes médicas recomendadas. Isso é importante de ter em mente”, disse Gilda Sedgh, coautora do estudo e principal cientista e pesquisadora do Instituto Guttmacher.

“Nos países de alta renda da América do Norte e do Oeste e Norte da Europa, onde o aborto é amplamente legal e os sistemas de saúde são fortes, a incidência de abortos inseguros é a menor globalmente”, disse a pesquisadora.

Entre os países em desenvolvimento, a proporção de abortos seguros no Leste da Ásia (incluindo a China) era similar às regiões desenvolvidas. No Centro-Sul da Ásia, no entanto, menos de um em cada dois abortos era seguro. Com exceção da África Austral, menos de um em cada quatro abortos no continente foi seguro. Dos abortos inseguros, a maior parte foi caracterizada como “pouco seguro”.

Na América Latina, apenas um em cada quarto abortos foi seguro, apesar de a maioria ter sido categorizada como “menos segura”, já que é cada vez mais comum mulheres da região obterem e autoadministrarem medicamentos como misoprostol fora dos sistemas formais de saúde. Isso significou que a região registrou menos mortes e menos complicações severas provocadas por abortos inseguros. No entanto, esse tipo de uso informal de medicação abortiva não atende os padrões da OMS.

Prevenindo o aborto inseguro

O aborto inseguro ocorre quando a gravidez é interrompida por pessoas sem as habilidades e informações necessárias ou em um ambiente que não se encaixa nos padrões médicos mínimos necessários, ou em ambos os casos.

Para evitar gestações indesejadas e abortos inseguros, países precisam adotar políticas de apoio e compromissos financeiros para fornecer educação sexual abrangente; uma ampla gama de métodos contraceptivos, incluindo contraceptivos de emergência; adequado aconselhamento para planejamento familiar; e acesso a aborto seguro e legal.

A provisão de aborto legal e seguro é essencial para atingir os Objetivo de Desenvolvimento Sustentável de acesso universal à saúde sexual e reprodutiva (meta 3.7). A OMS fornece diretrizes técnicas e políticas globais para o uso da contracepção para evitar a gravidez indesejada, sobre aborto seguro e tratamento para as complicações provocadas por abortos inseguros.

Mais cedo neste ano, a OMS e a divisão de população do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas lançaram uma base de dados aberta com leis, políticas e padrões de saúde sobre aborto em países do mundo todo. A base de dados tem como objetivo promover mais transparência para as leis e políticas de aborto, assim como melhorar e ampliar a responsabilidade dos países para a proteção dos direitos humanos e da saúde de mulheres e meninas.