Ataques dos EUA contra Tribunal Penal Internacional ameaçam independência judicial, dizem especialistas

Sede do Tribunal Penal Internacional em Haia, Holanda. Foto: ONU/Rick Bajornas
Sede do Tribunal Penal Internacional em Haia, Holanda. Foto: ONU/Rick Bajornas

A decisão sem precedentes do governo dos Estados Unidos de atacar e promover sanções contra funcionários individuais do Tribunal Penal Internacional (TPI) é um ataque direto à independência judicial da instituição e pode prejudicar o acesso das vítimas à justiça, disseram nessa quinta-feira (25) especialistas independentes de direitos humanos da ONU.

No total, 34 especialistas independentes da ONU assinam o comunicado.

“A implementação de tais políticas pelos EUA tem o único objetivo de exercer pressão sobre uma instituição cujo papel é buscar justiça contra crimes de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão”, disse Diego García-Sayán, relator especial da ONU sobre a independência de juízes e advogados.

“É mais um passo para pressionar o TPI e coagir seus funcionários no contexto de investigações independentes e objetivas e processos judiciais imparciais.”

Após uma decisão de 5 de março de 2020 da Câmara de Apelações do TPI, que autorizou uma investigação de supostos crimes de guerra no Afeganistão cometidos por todos os lados em conflito, incluindo as forças americanas, o governo dos EUA anunciou neste mês que estava lançando uma ofensiva econômica e legal contra o Tribunal.

Em 11 de junho de 2020, em resposta à decisão da Câmara de Apelações, o presidente dos EUA emitiu a Ordem Executiva 13.928, que trata do bloqueio de propriedades de certas pessoas associadas ao Tribunal Penal Internacional.

O governo dos EUA declarou que revogaria ou negaria vistos a membros do TPI envolvidos em investigações contra tropas dos EUA no Afeganistão ou em qualquer outro lugar, e sancionaria qualquer pessoa “diretamente envolvida em qualquer esforço do TPI para investigar, prender, deter ou processar qualquer pessoa dos Estados Unidos sem o consentimento dos Estados Unidos”.

O procurador-geral dos EUA, William Barr, disse que as medidas visavam “responsabilizar o TPI por exceder seu mandato e violar a soberania dos Estados Unidos”.

Em dezembro de 2019, o governo dos EUA havia alertado sobre “consequências exatas” contra o TPI por quaisquer investigações “ilegítimas” sobre as práticas de Israel no território palestino ocupado.

“O uso de sanções unilaterais contra juízes internacionais e funcionários públicos internacionais constitui uma clara violação não apenas de seus privilégios e imunidades, mas também de um amplo espectro de direitos dos indivíduos visados”, disseram os especialistas.

“Em particular, a aplicação da [ordem executiva] 13.928 resultaria na violação da proibição de punição por atos que não constituíam ofensas criminais no momento de sua comissão, o direito a um julgamento justo, o direito à liberdade de movimento e o direito à privacidade e à vida familiar.”

Os especialistas acrescentaram: “Essas ameaças constituem interferência inadequada na independência do TPI e também podem ter impactos adversos em potencial sobre defensores de direitos humanos, organizações da sociedade civil e representantes de vítimas que podem ser desencorajados a cooperar com o TPI e, consequentemente, dificultar a possibilidade de as vítimas de crimes atrozes de acessar a justiça”.

Os especialistas entraram em contato com as autoridades estadunidenses sobre o tema.

Os relatores especiais fazem parte do que é conhecido como “Procedimentos Especiais” do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Os Procedimentos Especiais, o maior âmbito de especialistas independentes no Sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dos mecanismos independentes de investigação e monitoramento do Conselho. Eles abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo.

Especialistas atuando nos procedimentos especiais trabalham voluntariamente; eles não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e servem em sua capacidade individual. São eleitos a cada três anos no Conselho de Direitos Humanos.