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Declaração da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos para o Dia Internacional dos Povos lndígenas

Declaração da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, para o Dia Internacional dos Povos lndígenas, 9 de agosto.

“Ao celebrarmos o Dia Internacional dos Povos lndígenas este ano, muitos dos cerca de 370 milhões de indígenas em todo o mundo perderam, ou estão sob ameaça iminente de perder, suas terras ancestrais, territórios e recursos naturais devido à exploração desigual e injusta em nome do ‘desenvolvimento’. Neste dia, vamos nos fazer uma questão crucial: quem realmente se beneficia deste chamado desenvolvimento, e a que custo este desenvolvimento se dá?

Quando comunidades indígenas são alienadas de suas terras por causa do desenvolvimento e dos projetos de extração de recursos naturais, elas são frequentemente deixadas em uma existência às margens da sociedade. Isto certamente não é um sinal de desenvolvimento. Muitos destes projetos resultam em violações dos direitos humanos envolvendo despejos forçados, deslocamento e até mesmo perda de vidas, quando a agitação social e o conflito por recursos naturais entram em erupção. Isto certamente não é o que entendemos por desenvolvimento. Projetos de extração de recursos naturais como a mineração fazem uso intensivo do solo e da água e muitas vezes afetam diretamente os direitos coletivos dos povos indígenas em relação a suas terras e territórios.

Com muita frequência vemos conflitos entre as corporações, povos indígenas e o Estado por causa de projetos de desenvolvimento que são iniciados sem a consulta ou o consentimento das pessoas que são despojadas das próprias terras.

Na Malásia, por exemplo, projetos de barragens hidrelétricas em Sarawak e Sabah têm causado grande preocupação para os povos indígenas, que estão sendo deslocados ou despejados de suas terras. O povo Penan tem recebido ameaças e existem relatos de perseguição aos Penan por trabalhadores de madeireiras. Várias queixas e reclamações foram feitas à Suhakam, a comissão de direitos humanos da Malásia, para dar início a um inquérito nacional sobre o direito dos povos indígenas à terra.

Na Índia, a inquietação social e os conflitos devido à aquisição de terra para projetos de desenvolvimento e mineração aumentaram nos últimos anos. Adivasis defendendo suas terras ancestrais e florestas comunitárias são muitas vezes submetidos a ameaças e perseguições, apesar da existência de proteções constitucionais, julgamentos da Suprema Corte e legislações nacionais progressivas que exigem o consentimento das comunidades tribais, e direitos das comunidades sobre o uso das florestas. Em um desenvolvimento positivo em 2010, o Ministério do Meio Ambiente e das Florestas da índia impediu o governo Orissa e a Vedanta, uma companhia de mineração multinacional sediada no Reino Unido, de realizar suas atividades de mineração no topo do morro Niyamgiri, no distrito de Kalahandi, uma vez que tal operação afetaria gravemente o ecossistema da área e a situação do povo Dongria Kondh Adivasi nas montanhas.

Ameaças a ativistas ambientalistas, que trabalham para proteger a floresta Amazônica no Brasil, têm sido feitas por muito tempo. Recentemente, José Claudio Ribeiro da Silva e sua mulher, Maria do Espírito Santo, ambos ativistas e defensores dos direitos dos povos indígenas, foram mortos no estado brasileiro do Pará. Meu Escritório continua a monitorar diretamente o impacto das indústrias de extração e os projetos de desenvolvimento em uma série de outros países, incluindo Bolívia, Camboja, Guatemala e México.

Em muitos casos, atividades de extração em territórios indígenas são feitas por empresas multinacionais sediadas em países desenvolvidos. Além disso, indústrias de extração estão frequentemente presentes em áreas habitadas por povos indígenas nestas nações. Por exemplo, o desenvolvimento intenso do gás e do petróleo continua no norte de Alberta, no Canadá, em áreas onde reivindicações de longa data feitas pela nação Lago Lubicon permanecem sem solução. Nos países nórdicos, o povo Sami está preocupado com o impacto da mineração, extração de florestas e outros recursos naturais para a criação de renas.

Muitos Estados mantêm leis contraditórias ou obsoletas sobre mineração e aquisição de terra para o desenvolvimento. Estas leis devem ser reavaliadas para determinar se são consistentes com os princípios e padrões dos direitos humanos internacionais. Tais revisões devem ser conduzidas em consulta com povos indígenas e em boa fé.

De fato, consultas apropriadas devem ser conduzidas com povos indígenas em todas as etapas do ciclo de desenvolvimento e extração de recursos naturais. Eles têm o direito à ampla divulgação das avaliações dos impactos ambientais, sociais e de direitos humanos no idioma de sua escolha. Estados devem fornecer também apoio financeiro e técnico para permitir que os povos indígenas realizem consultas com as corporações. Quando povos indígenas consentem tais projetos, eles devem ter o direito ao compartilhamento justo dos benefícios das atividades em suas terras. E onde os projetos continuarem sem o consentimento, serão necessários mecanismos de reparação. Instituições nacionais e internacionais que financiam tais projetos devem assegurar que suas políticas operacionais e orientações estejam de acordo com os padrões e princípios dos direitos humanos internacionais.

Por sua parte, empresas de extração são responsáveis por respeitar os direitos humanos. Isto foi afirmado em junho de 2011 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, ao adotar os Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos. A Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas faz referências explícitas ao consentimento livre, prioritário e informado. Ela é muito clara quanto a este requisito para o ‘desenvolvimento, utilização ou exploração de recursos minerais, hídricos entre outros’. Isto é reforçado ainda por tratados internacionais, como a Convenção da OIT n° 169, e na jurisprudência de órgãos que tratam dos direitos humanos, em particular do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial.

O direito ao desenvolvimento é um direito humano para todos, e os povos indígenas têm o direito de definir e determinar seu próprio desenvolvimento. Neste Dia Internacional dos Povos lndígenas, vamos assegurar que o desenvolvimento para alguns não seja feito em detrimento dos direitos humanos de outros. Vamos trabalhar juntos para garantir o verdadeiro desenvolvimento para todos”.

Subtrair espaços à incerteza (José Graziano da Silva)

José Graziano da SilvaPor José Graziano da Silva (*)

A palavra incerteza comanda a agenda do nosso tempo, e tão cedo não perderá essa prerrogativa.

Ela reflete a disseminação de um estado de espírito trazido da crise financeira para a vida política e dela para o cotidiano, onde a volatilidade passou a ditar a tônica dos nossos dias. Revogá-la pressupõe a sedimentação progressiva de zonas de segurança que permitam convergir expectativas por meio do planejamento democrático de um futuro mais sustentável.

A segurança alimentar é um dos elos desse cinturão regenerador capaz de devolver à sociedade o comando do seu destino.

Num momento em que a recuperação mundial caminha com as pernas trôpegas, a agenda da segurança alimentar contempla a urgência dos famintos e oferece um pedaço de chão firme do qual se ressente a humanidade.

Combater a fome significa investir em produção, gerar renda e emprego e reduzir pressões inflacionárias em escala global, injetando coerência à macroeconomia da retomada do crescimento.

Seria um despropósito tratá-la como tema lateral à agenda da crise. Coordenar fluxos de oferta e demanda de alimentos com menor inflação de preços, num horizonte demográfico de 9 bilhões de bocas em 2050, não pode ser obra do improviso nem de automatismos cegos de mercados desregulados.

Trata-se de uma delicada operação de engenharia política e de conhecimento técnico que evoca a mobilização ecumênica das forças do mercado, do governo e da sociedade. A experiência bem-sucedida de um amplo programa de segurança alimentar implantado no Brasil desde 2003, com mais de 50 ações e iniciativas desdobradas a partir do Fome Zero, justifica o otimismo.

Nas dimensões expandidas da escala global, o desafio convive igualmente com trunfos para alavancar a sua reversão.

Potencialidades acionáveis pela comunidade internacional de escala modesta perto do socorro à crise do sistema financeiro teriam evitado a emergência alimentar no Chifre da África. O alerta foi feito pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) há mais de dois anos. Possibilitariam, ademais, estreitar um hiato de produtividade agrícola que o mercado sozinho não fechará.

A disparada dos preços dos cereais em 2008 elevou a produção dos países ricos em quase 13%; nas economias pobres e em desenvolvimento, o efeito limitou-se a 3,5%.

Excluídos Brasil, China e Índia, foi de menos de 0,5%.

O gasto com comida representa em média mais da metade do orçamento familiar das populações mais pobres. É fácil depreender a espiral de turbulência que cada soluço altista acarreta à existência de quem vive à beira do abismo.

Desde março o índice de preços internacionais de alimentos da FAO permanece praticamente estável. Mas quase 40% acima do patamar de 2010.

Tão ou mais grave que o novo degrau dos preços dos alimentos é a volatilidade. Enquanto o mundo busca novos consensos regulatórios, a mitigação das oscilações terá que ser enfrentada com o manejo dos estoques mundiais, associado ao esforço de produção nos polos mais vulneráveis.

Uma dimensão imediatamente resgatável ao domínio da incerteza é a transparência sobre as disponibilidades físicas de alimentos, hoje administradas em grande parte por corporações privadas.

A exemplo do que ocorre com estoques de vacinas, indispensáveis à sobrevivência humana, a transparência, neste caso, é um direito da sociedade e um dever dos mercados. O Estado deve regulá-la democraticamente.

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José Graziano da Silva é Representante Regional da FAO para América Latina e Caribe e Diretor-Geral eleito da instituição para 2012-2015. Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 03 de agosto de 2011.

Ímpeto a ser aproveitado por líderes globais (Achim Steiner)

Achim SteinerPor Achim Steiner (*)

Faltando menos de 12 meses para a conferência Rio+20, algumas pessoas podem estar se perguntando se esse evento -20 anos após a histórica Cúpula da Terra de 1992, que definiu os rumos atuais do desenvolvimento sustentável- será um fiasco ou um momento decisivo nos assuntos mundiais.

Com certeza o público global, incluindo cidadãos do Brasil, poderia ser perdoado por perguntar “Rio+o quê?”. Hoje se vê uma escassez de cobertura da mídia sobre a política e as questões práticas que cercam esse evento, do tipo que só acontece uma vez em uma geração.

Mas a discussão intelectual e o interesse estão começando a aumentar em torno de dois temas: uma economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e um quadro institucional para o desenvolvimento sustentável.

Se esse ímpeto puder ser aproveitado pelas lideranças políticas, e nos níveis mais altos, há boas chances de que a Rio+20 consiga cumprir o que promete.

Recentemente, na Guiné Equatorial, líderes africanos se reuniram em preparação para um encontro final em Adis Abeba, e encontros semelhantes vêm sendo ou serão realizados em outras regiões.

Parte do sucesso da Rio+20 vai depender do engajamento real de todos os setores, incluindo a sociedade civil e as empresas – ponto esse que é claramente compreendido pelo país anfitrião, como parte de sua Comissão Nacional para a Rio+20, criada pela presidente.

Até agora não há nada claramente definido, nem pelos governos nem pela sociedade mais ampla.

Mas já há propostas cooperativas transformadoras e questões “grandes” sobre as quais os países talvez possam concordar em junho de 2012 – desde a intensificação das energias limpas até novas maneiras de administrar os oceanos, melhoras na segurança alimentar, na administração de desastres e da água.

O foco principal, até agora, vem sendo a economia verde. Os subsídios aos combustíveis fósseis variam entre US$ 400 bilhões e US$ 650 bilhões por ano, dependendo do preço do petróleo. Assim, de acordo com algumas estimativas, o custo de subsídios a tais combustíveis é quatro vezes o que custaria para elevar a ajuda oficial ao desenvolvimento até a meta de 0,7%.

Uma das muitas ideias ilustrativas consiste em compras públicas verdes. As compras públicas respondem por 23% do PIB, em média, em todo o mundo. Em alguns países, como Brasil e Índia, esses valores se aproximam dos 50%.

Segundo algumas estimativas, esses 23% poderiam ser suficientes para conduzir mercados inteiros para um caminho mais sustentável.

Enquanto isso, a Rio+20 poderia também encontrar uma nova maneira de definir a riqueza, que amplie o PIB para além de sua definição atual e estreita.

Uma das várias sugestões feitas é a de um Indicador de Progresso Genuíno, ou IPG, como medida alternativa ou evoluída, que meça “a sustentabilidade da receita” por meio de indicadores econômicos, mas também sociais e ambientais.

Portanto, os avanços em direção à Rio+20 estão acontecendo em ritmo crescente e de maneira que reflete o espectro geopolítico de uma nova era. O elo que está faltando e que precisa ser forjado nos próximos meses é o apoio político amplo de todos os países.

O Brasil, como país anfitrião, vem assinalando sua determinação em garantir essa liderança.

Se mais líderes de pensamento semelhante assinalarem apoio, então é possível que aqueles que no momento questionam se a promessa da Rio+20 poderá ser transformada em resultados profundos vejam sua posição contestada, mais do que nunca, por determinação e senso de objetivo reais que vêm se desenvolvendo entre os países.

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Achim Steiner é Subsecretário-Geral da ONU e Diretor Executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, no dia 30 de julho de 2011.

Dia Internacional de Nelson Mandela – 18 de julho de 2011

Nelson MandelaMensagem do Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, para o Dia Internacional de Nelson Mandela

Todos se lembram – e, de fato, precisam – de uma figura que desempenhe um papel inspirador em suas vidas. Nelson Mandela tem sido este modelo para um número incontável de pessoas em todo o mundo.

Nelson Mandela é um advogado e um combatente da liberdade, um prisioneiro político, um pacifista e um presidente. Curador de nações e mentor para gerações, Nelson Mandela – ou Mandiba, como ele é carinhosamente conhecido por muitos – é um símbolo vivo de sabedoria, coragem e integridade.

Ao celebrarmos seu 93° aniversário e o segundo Dia Internacional Nelson Mandela, me junto à Fundação Nelson Mandela para incentivar as pessoas em todo o mundo a fazerem 67 minutos de serviço comunitário durante o Dia Internacional Mandela – um minuto para cada ano do serviço prestado por Mandela para a humanidade.

O próprio Nelson Mandela disse certa vez: “Nós podemos mudar o mundo e torná-lo um lugar melhor. Está em nossas mãos fazer a diferença.” Vamos tornar realidade esta mensagem. Eduque uma criança. Alimente os que têm fome. Dedique seu tempo voluntariamente a um hospital ou a um centro comunitário. Faça o mundo um lugar melhor.

Juntos, a melhor forma de agradecer Nelson Mandela por seu trabalho é agir e inspirar a mudança.

Rio+20: novos conceitos, velhos dilemas?

Por Clóvis Zapata, doutor em economia pela Universidade de Cardiff (Reino Unido) e pesquisador sênior do Centro Internacional em Políticas para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG) das Nações Unidas.

Em junho de 2012, o Rio de Janeiro sediará uma das mais esperadas cúpulas mundiais -a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, popularmente chamada de Rio+20.

O encontro reunirá os mais importantes líderes mundiais e ocorre 20 anos após a primeira grande conferência mundial sobre mudança do clima, que propôs o conceito de desenvolvimento sustentável.

Após duas décadas, as promessas ambiciosas não foram cumpridas, a essência do conceito de desenvolvimento sustentável se perdeu e deu lugar ao termo “economia verde”, que se refere à redução dos atuais riscos ambientais e das limitações ecológicas, aliadas ao aumento do bem-estar humano e da equidade social.

O foco oficial da Rio+20 é direcionar a transição para a economia verde global. O conceito de “economia verde”, além de vago, é substancialmente otimista.

Acredita-se que a adoção de tecnologias ecoeficientes em setores-chave, com mecanismos de mercado, seriam suficientes para conduzir à sustentabilidade.

Existe, contudo, um grande debate sobre quais deveriam ser consideradas “tecnologias verdes” e quais indicadores devem ser usados. Além disso, o debate não prega um processo de mudança profunda na produção e no consumo, baseado em inovações radicais.

A Rio+20 será palco de uma disputa entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento e emergentes. Para as economias em desenvolvimento, o debate é crucial, já que, além da dimensão ambiental, existe a necessidade urgente de atender à dimensão social.

A interação entre políticas de cunho social e ambiental carece de um debate mais robusto. São raros os casos em que existe a complementaridade entre políticas de proteção social, de redução de risco ambiental e de adaptação a mudanças climáticas.

Historicamente, o esforço empregado pelas Nações Unidas tem sido primordial para fomentar o debate sobre o desenvolvimento sustentável e, mais recentemente, sobre a transição para a economia verde. O sistema ONU tem conduzido o debate político, atentando para a individualidade de países e regiões específicas quanto a suas dimensões sociais, ambientais, econômicas e políticas particulares.

A Rio+20 será um grande fórum de oportunidades. Espera-se que o conceito de economia verde possa ser melhor delineado, com implicações práticas. Espera-se que possa ser eficaz, ao atentar para as particularidades de regiões e de povos diferentes. Espera-se que possa atender às necessidades dos mais pobres e reduzir as vulnerabilidade dos mais desprotegidos dos efeitos das mudanças climáticas.

Espera-se, sobretudo, que possa nos remeter novamente à essência da primeira reunião sediada no Rio: o desenvolvimento sustentável.

Publicado pela Folha de São Paulo no dia 14/07/2011.