Conflito na Costa do Marfim pode desestabilizar Libéria, afirma ACNUR

O Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, António Guterres, e funcionários da ONU alertaram, nesta semana em Monróvia, sobre o aumento da violência e de deslocamentos massivos na Costa do Marfim, ameaçando os oito anos de paz na Libéria.

Ao se referir à intensa violência na Costa do Marfim, o ACNUR alertou sobre o possível recrutamento de combatentes na Libéria por parte de forças rivais marfinenses e sobre o contrabando de armas através da frágil fronteira da Libéria.

O Alto Comissário, António Guterres, e a Representante Especial da ONU, Ellen Lój, recebem flores de boas-vindas no campo refugiado de Bahn. Foto: ACNUR/ G.Gordon

O Alto Comissário, António Guterres, e a Representante Especial da ONU, Ellen Lój, recebem flores de boas-vindas no campo refugiado de Bahn. Foto: ACNUR/ G.Gordon

“É evidente que este conflito precisa acabar”, disse Guterres após encontrar refugiados marfinenses traumatizados no leste da Libéria, onde mais de 90 mil pessoas procuraram abrigo desde a eleição presidencial de novembro passado na Costa do Marfim. “A quantidade de sofrimento humano é terrível. Todos os países vizinhos podem ser drasticamente afetados”, alertou o Alto Comissário, que expôs suas preocupações durante uma reunião na quarta-feira com o presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf.

Os combates entre as forças leais aos candidatos presidenciais rivais, Laurent Gbagbo e Alassane Ouattara, foram intensificados nas últimas semanas e muitos temem que o país esteja à beira de uma guerra civil. Há cerca de 500 mil deslocados internos.

Ellen Margrethe Loj, representante especial da ONU para a Libéria, quem acompanhou Guterres e funcionários da Libéria na área de fronteira na última terça-feira, também demonstrou preocupação com as consequências deste conflito para a Libéria, país que ainda luta para se reconstruir depois de duas devastadoras guerras civis entre 1989 e 2003.

“Se queremos manter a paz na Libéria, temos que fazer tudo o que pudermos para evitar que essas armas atravessem a fronteira”, ressaltou ela, referindo-se ao contrabando de armas. A missão da ONU na Libéria, que vem ajudando a manter a paz, intensificou sua presença militar e policial ao longo da fronteira de 700 quilômetros de extensão.

Guterres e Loj voaram para a região de Nimba, onde a maioria dos refugiados marfinenses está abrigada tanto no campo construído pelo ACNUR, em Bahn, quanto nas vilas ao longo da fronteira. A delegação sobrevoou grande parte da exuberante floresta, onde o potencial para o desenvolvimento agrícola é enorme, embora, estradas ruins, pontes destruídas e uma infra-estrutura em ruínas dificultaram o desenvolvimento da região.

Na vila fronteirça de Buutuo, os visitantes se reuniram nas sombras de um coreto para se encontrarem com líderes comunitários e representantes de refugiados, que possuem as mesmas raízes étnicas e tribais.

Guterres parabenizou os habitantes de Buutuo e outras vilas no leste da Libéria por sua generosidade com os refugiados que chegam às fronteiras. “Em um mundo cheio de egoismo, onde paises ricos estão fechando suas portas, vocês abricam as portas e compartilharam o que vocês têm e o que não tem,” ele disse.

“Nós chegamos de mãos vazias, sem nada,” relatou uma refugiada. Ela também disse à delegação que esta era a terceira vez que foge da violência na Costa do Marfim em 10 anos. Na primeira vez ela buscou abrigo em Gana, depois na Guiné e agora escapou para a Libéria.

Harrison Kahnweah, Ministro do Interior da Libéria, dirigindo-se ao grupo disse: “é uma tradição africana recebermos as pessoas quando elas precisam… Muito obrigado por ter recebidos seus irmãos e irmãs. Nós também já estivemos nesta situação”.

Milhares de liberianos procurarm refúgio na Costa do Marfim durante as guerras civis da Libéria e agora eles afirmam estar comprometidos em retribuir a generosidade. Mas estas comunidades precisam de ajuda já que seus recursos estão se esgotando.

“Temos o risco de conflito caso nada seja feito para reabastecer o que eles têm oferecido,” disse Edith Gongloe Weh, superintendente do Condado de Nimba. O ACNUR e seus parceiros estão trabalhando para fornecer assistência a estas comunidades assim aos refugiados.

A visita de Guterres ocorreu em meio a relatos de que seis mil pessoas tinham atravessado a fronteira e entrado no condado liberiano de Grand Gedeh, ao sul de Nimba, indicando que os conflitos no oeste da Costa do Marfim se deslocaram ou se propagaram.

Enquanto isso, o ACNUR está encorajando os refugiados a saírem da região de fronteira e se realocarem no campo Bahn, ou em alguma das 16 vilas anfritãs. Estão previstos três campos adicionais, mas a localização dependerá de onde as pessoas cruzarem a fronteira.

A maioria dos refugiados marfinenses vive atualmente em mais de 90 comunidades na fronteira, o que causa preocupação em relação a sua segurança e dificulta a entrega de ajuda por parte do ACNUR – situação que irá piorar com a chegada da temporada de chuvas.

O Acnur construiu o campo em Bahn, a cinco horas de Buutuo por estrada de terra, para fornecer acomodações seguras e melhor acesso à ajuda humanitária. O campo, com capacidade para 15 mil refugiados, oferece segurança, comida, água e educação.

Entretanto a maioria dos refugiados ainda quer permanecer perto da fronteira para retornar a seus lares assim que possível. “Tudo que queremos é voltar para casa logo,” disse Mezoud Gaspard, que falou em nome dos refugiados em Buutou

Guterres, que agradeceu o Presidente Sirleaf por manter as fronteiras abertas e por sua generosidade com os marfinenses, voltou para Genebra na quarta-feira à noite após uma visita de três dias.

(Melissa Fleming in Buutuo, Liberia, para o ACNUR)