Nasce uma nova nação africana

Celebração pela proclamação da independência do Sudão do Sul. A ONU está comprometida em ajudar a cumprir suas responsabilidades.
Ban Ki-moon é Secretário-Geral das Nações Unidas

Amanhã, 9 de julho, a República do Sudão do Sul se juntará à comunidade das nações. Personalidades de todo o mundo se reunirão em sua capital, Juba, para ver o novo país erguer sua bandeira e empossar o primeiro presidente, Salva Kiir Mayardit.

Para os mais de oito milhões de cidadãos do Sudão do Sul, será um dia memorável e emocionante. Em janeiro, eles votaram em um histórico referendo para se separar do resto do Sudão. O fato de o terem feito de forma pacífica é um crédito tanto para as lideranças do norte quanto do sul. Ainda assim, a nacionalidade veio a um alto custo: um desconcertante número de vidas perdidas e de pessoas deslocadas em uma guerra civil de 21 anos, que terminou em 2005. Quando os presidentes e primeiros-ministros reunidos embarcarem em seus aviões para voltar para casa, os desafios restantes serão intimidantes.

No dia de seu nascimento, o Sudão do Sul estará posicionado na parte mais baixa dos índices de desenvolvimento humano. Ele tem a maior taxa de mortalidade materna do mundo. O analfabetismo entre as mulheres excede 80%. Mais da metade de sua população tem que se alimentar, se vestir e se abrigar com menos de um dólar por dia. Questões críticas de pobreza, insegurança e falta de infraestrutura devem ser atendidas por um governo novo, com pouca experiência, e por instituições embrionárias.

Observei essa escalada de desafios quando visitei pela primeira vez o Sudão do Sul em 2007 – uma área de 620 mil quilômetros quadrados com menos de 100 quilômetros de estradas pavimentadas. Dentro de um contexto mais amplo, o risco do aumento da violência e de mais sofrimento humanitário é muito real.

Ao mesmo tempo, o Sudão do Sul tem um potencial notável. Com reservas substanciais de petróleo, grandes quantidades de terras aráveis e com o Nilo correndo em seu centro, o Sudão do Sul pode crescer e se tornar uma nação próspera e autossustentável, capaz de oferecer segurança, serviços e empregos à sua população.

A comunidade internacional tem reconhecido as responsabilidades dos governos com seus cidadãos. Os levantes populares recentes mostraram o que pode acontecer quando governos são desatentos com as necessidades de suas populações.

Sozinho, o Sudão do Sul não pode enfrentar esses desafios nem concretizar seu potencial. Para fazê-lo serão necessárias parcerias – um pleno (e contínuo) engajamento com a comunidade internacional e, mais especificamente, com os países vizinhos.

Em primeiro lugar, os novos líderes do Sudão do Sul devem alcançar seus homólogos em Cartum. Relações fortes e pacíficas com o norte são essenciais. Uma prioridade para ambos os países é um acordo sobre sua fronteira comum, relações sustentáveis para assegurar aos dois Estados benefícios das reservas de petróleo da região e arranjos para dar continuidade aos laços históricos, econômicos e culturais.

A recente instabilidade em Kordofan do Sul e em Abyei criou tensões entre o norte e o sul e elevou a retórica política. Este é o momento para que ambos pensem nos benefícios em longo prazo de trabalhar juntos, e não nos ganhos políticos em curto prazo.

O Sudão do Sul também deve conversar com seus outros vizinhos. Em todo o mundo – e especialmente na África – a tendência é de parcerias regionais. O Sudão do Sul também deve ser fortalecido ao se tornar um ativo participante nas organizações regionais do leste da África, desenvolvendo intercâmbios e laços políticos em todo o continente.

Finalmente, o Sudão do Sul deve chegar à sua própria população. Ele deve buscar forças na diversidade e construir instituições que representem toda a constelação de suas comunidades étnicas e geográficas. Os preceitos básicos de qualquer Estado moderno e democrático devem ser garantidos: liberdade de expressão, plenos direitos políticos, instituições inclusivas que estendam os benefícios aos cidadãos de áreas rurais, bem como às regiões afetadas pelo conflito.

No século XXI, a comunidade internacional tem reconhecido cada vez mais as responsabilidades dos governos com seus cidadãos, incluindo a proteção do espaço político e dos direitos democráticos. Os levantes populares no Norte da África e no Oriente Médio mostraram o que pode acontecer quando governos são desatentos com as necessidades de suas populações.

As Nações Unidas estão comprometidas em ajudar o governo do Sudão do Sul a cumprir com suas várias responsabilidades. É por esse motivo que propus uma nova missão no Sudão do Sul: para ajudar a construir as instituições que o país necessita para se firmar por si só. Ao fazê-lo, deixe-nos lembrar que as Nações Unidas são apenas uma parte de um amplo estabelecimento de parcerias que o governo deve desenvolver – com o norte, com seus vizinhos na região e além dela e, mais importante, com sua própria população.

Amanhã me juntarei a outros líderes em Juba para marcar o nascimento do Sudão do Sul. A última coisa que uma nova nação precisa é uma celebração só para a existência, apenas para ser esquecida até a próxima crise. Nosso objetivo é fazer mais do que celebrar esse marco. É destacar a obrigação internacional de estar ao lado da população do Sudão do Sul à medida que ela procura construir uma nação estável, forte e próspera.

Publicado no Valor Econômico em 08 de julho de 2011.