Desenvolvimento: um imperativo moral

Por Jorge Chediek (*)

Desde ontem cerca de 150 Chefes de Estado e centenas de líderes da sociedade civil e da iniciativa privada estarão reunidos na sede da ONU, em Nova York, participando da Reunião de Cúpula para a Revisão dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A expectativa do Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, assim como o de toda a comunidade internacional, é de que os países signatários da Declaração do Milênio concordem novamente quanto a uma agenda renovada e concreta para alcançar estas metas até 2015. O plano de ação para os próximos cinco anos deverá refletir não só o engajamento para se replicar o que tem dado certo, mas também o compromisso na adoção de iniciativas corajosas para as áreas identificadas como prioritárias.

O alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) passa pelo esforço coletivo. Todos contribuem e todos são ao mesmo tempo responsáveis. Como bem definiu certa vez a Dra. Zilda Arns, um dos ícones do trabalho social no Brasil, “cada um colabora com aquilo que sabe fazer ou com o que tem para oferecer. Assim, fortalece-se o tecido que sustenta a ação e cada um sente que é uma célula de transformação do país”..

Os ODM são oito metas acordadas internacionalmente para diminuir a pobreza, a mortalidade materna e infantil, as doenças, as condições inadequadas de habitação, a desigualdade de gêneros e a degradação ambiental. Na prática, os ODM são a prova viva do comprometimento dos povos na reorientação dos esforços de cada um dentro do grande desafio moral e ético da erradicação da pobreza extrema.

As experiências dos últimos dez anos mostram o valor destas metas na mobilização de compromissos políticos e na geração de uma conscientização popular na busca da igualdade e da dignidade humana. Estas diretrizes provaram também que podem afetar a forma como as pessoas e as instituições pensam e se comportam. Mas os desafios no cumprimento dos ODM ainda exigirão muito trabalho, dedicação, recursos e, acima de tudo, muito espírito solidário.

O Brasil tem dado exemplos neste sentido. O país não só abraçou esta causa, devendo atingir os ODM até 2015, como também se colocou no seleto grupo de nações que decidiram ir além das metas acordadas em várias áreas. Além do sucesso na erradicação da fome e da pobreza no âmbito interno, o Brasil tem se dedicado com afinco às iniciativas de cooperação internacional e de ajuda humanitária. Isto demonstra que, com determinação e criatividade, é possível quebrarmos paradigmas seculares como o da pobreza, driblando os diversos obstáculos impostos por crises econômicas e pelas limitações de fundos, entre outros.

Outros países também obtiveram sucessos importantes no combate à pobreza, na melhoria da escolarização e da saúde infantil, no aumento ao acesso à água potável, na intensificação do controle da malária e da tuberculose e num maior acesso ao tratamento do HIV, segundo o Relatório sobre os ODM que acaba de ser lançado em Nova York. No entanto, os progressos foram desiguais e, sem esforços suplementares, é provável que muitos países não consigam alcançar vários Objetivos.

Cerca de 1,4 bilhão de pessoas continuam sobrevivendo com menos de 1,25 dólares por dia, o limiar de pobreza definido pelo Banco Mundial. Aproximadamente um bilhão de pessoas sofre de fome. A cada ano, quase nove milhões de crianças morrem antes de completar cinco anos. Centenas de milhares de mulheres morrem devido a complicações na gravidez e no parto, enquanto apenas metade da população mundial tem acesso ao saneamento básico.

A crise econômica teve um impacto muito negativo no emprego e no rendimento em todo o mundo, reduzindo seriamente a capacidade dos mais pobres em alimentar suas famílias. Os fluxos de ajuda dos países doadores atingiram 120 bilhões de dólares, maior montante jamais atingido, porém aquém das promessas feitas na reunião do Grupo dos Oito (G8) em Gleneagles, em 2005, e da meta dos 0,7% do PIB anual destes países.

Precisa fazer mais. Hoje, a humanidade conta com tecnologia, recursos, experiência. Desenvolvemos ferramentas e conhecimentos que são capazes de eliminar a fome e a pobreza. Com tantas conquistas, o cumprimento dos ODM deveria deixar de ser apenas uma obrigação moral, para se tornar o objetivo fundamental de todos: governos, sociedade civil, setor privado e povos de todo o mundo. É este o espírito da ONU. É este o princípio que a guia desde que a Declaração dos Direitos Humanos foi aprovada em 1948, quando a organização ainda dava seus primeiros passos.

O desafio é assegurarmos, nos próximos cinco anos, o desenvolvimento humano de todos, em especial os que hoje se encontram à margem da sociedade, seja pela pobreza, seja pela fome ou pela falta de respeito aos seus direitos primordiais. O Papa Paulo VI certa vez afirmou que “desenvolvimento é o novo nome para a paz”. Uma paz que não se constrói só pela ausência de guerra e de conflitos, mas como fruto do esforço quotidiano de homens e mulheres por uma vida mais justa e mais digna para todos.

(*) Jorge Chediek, Coordenador Residente do Sistema das Nações Unidas e Representante Residente no Brasil do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico, dia 21 de setembro de 2010.