Entrevista coletiva do Secretário-Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, durante sua visita ao Brasil

O Secretário-Geral da ONU esteve em Brasília nos dias 16 e 17 de junho de 2011, como parte de uma viagem a quatro países da América do Sul, quando também visitou a Colômbia, a Argentina e o Uruguai.

No Brasil, o Secretário-Geral teve uma agenda intensa e, pela primeira vez, encontrou-se pessoalmente com a Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff. Ele também teve a oportunidade de se encontrar com o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota, com a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e com a Ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello.

O Secretário-Geral Ban Ki-moon durante entrevista coletiva para os correspondentes das agências internacionais de notícias. Foto: UNIC Rio.

Ban se reuniu ainda com lideranças de movimentos sociais e ONGs, em uma reunião presidida pelo Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, com o Presidente do Senado Federal, José Sarney, e com o Presidente da Câmara Federal dos Deputados, Marco Maia.

No final da sua estadia no País, o Secretário-Geral recebeu a notícia que o Conselho de Segurança da ONU havia indicado seu nome para um segundo mandato à frente da Organização. Sua reeleição como Secretário-Geral deve ser votada pela Assembleia Geral das Nações Unidas esta semana.

Pouco antes de embarcar de volta para Nova York, na sexta-feira, 17 de junho, o Secretário-Geral concedeu uma entrevista coletiva para os correspondentes das agências internacionais de notícias. Ban Ki-moon iniciou a entrevista com uma declaração sobre sua visita à América do Sul.

Leia abaixo

Secretário-Geral: Ao encerrar minha visita ao Brasil, e a outros três países – Argentina, Uruguai e Colômbia – retorno [para Nova York] com uma sensação de sucesso e satisfação. Tive discussões produtivas com líderes dos quatro países que visitei e em cada um tive encontros com representantes da sociedade civil, que também foram muito úteis. Todos os quatro países são membros fundadores das Nações Unidas e têm uma a forte parceria com a Organização desde 1945.

Gostaria de mencionar as grandes áreas que foram abordadas durante minha visita.

Primeiro, fiquei muito impressionado pelo compromisso dos países em alcançar uma forte integração regional, e também em desenvolver a cooperação Sul-Sul. Esta cooperação Sul-Sul é um aspecto muito importante da cooperação econômica. Países como o Brasil, com economias emergentes, assim como a Argentina, Uruguai e Colômbia, estão ativamente promovendo a cooperação Sul-Sul.

Claro que isto não quer dizer que a cooperação tradicional Norte-Sul deva acabar, mas, sim, ser repensada e continuar em paralelo com esta tendência. Tive a oportunidade de me encontrar pela primeira vez com a Secretária-Geral da UNASUL [María Emma Mejía], com quem discutimos as prioridades da Organização e concordamos em aprofundar e fortalecer nossa cooperação. A Secretária-Geral me disse que a UNASUL quer participar da Assembleia Geral com o status de observadora e está tentando se tornar uma organização internacional regional.

Também fiquei muito impressionado com a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento (ODM) nos países que visitei, particularmente no que se refere à redução da pobreza extrema. O Brasil já conseguiu cumprir este objetivo.

Os quatro países também estão muito comprometidos com paz e segurança internacional ao fornecer membros para as operações de paz das Nações Unidas para muitas áreas. Eles têm tropas no Haiti, e em outros países como o Líbano e em algumas nações da África, mostrando como este é um importante objetivo e um forte compromisso.

No aspecto político, também fiquei muito encorajado com o forte compromisso com a democracia e com uma maior transparência. Esses países tiveram experiências sombrias, experiências muito difíceis, que viveram durante regimes militares ditatoriais. E agora estão fazendo seu melhor para promover os direitos humanos e tentar estabelecer o Estado de Direito e sistemas de responsabilização. Tudo isto é um fenômeno muito alentador que eu os encorajo a continuar.

Acredito que os países da América do Sul podem desempenhar um papel maior na ONU e, do mesmo modo, a ONU também pode desempenhar um papel maior nesta região.

Outro ponto importante de minha agenda foi a Conferência sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, já que temos tratado as mudanças climáticas como uma prioridade da comunidade internacional. No passado, crises como a de energia ou a de alimentos eram tratadas de forma separada, mas eu acredito que estas questões estão interconectadas e, portanto, devem ser tratadas sob uma perspectiva mais ampla e de uma maneira abrangente.

Isto é o que vamos discutir na Rio+20, no Rio de Janeiro, ano que vem. Tive um ótimo encontro com a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e com a Presidenta Dilma Rousseff, e elas estão muito comprometidas com estes assuntos e, por isto, conto com sua liderança. Como Secretário-Geral das Nações Unidas tenho um forte compromisso para fazer esta conferência um sucesso.

Por último, como vocês devem estar cientes, o Conselho de Segurança votou por unanimidade recomendando nesta sexta-feira minha indicação ao um segundo mandato como Secretário-Geral da ONU. Gostaria de dizer que tem sido um imenso privilégio e uma honra trabalhar como Secretário-Geral.

Durante os últimos quatro anos e meio tenho trabalhado de perto com todos os membros das Nações Unidas, incluindo o Conselho de Segurança, para alcançar a paz, a estabilidade, o desenvolvimento e os direitos humanos, e tenho viajado a muitos países, discutido com líderes globais para lidar com as mudanças climáticas, debatido questões de pobreza, questões regionais e políticas. E se eu for reeleito pela Assembleia Geral para um segundo mandato estarei mais motivado e honrado a continuar trabalhando junto com os Estados-Membros das Nações Unidas de acordo com os princípios e objetivos da Carta das Nações Unidas. Obrigado!

O Secretário-Geral Ban Ki-moon durante entrevista coletiva para os correspondentes das agências internacionais de notícias. Foto: UNIC Rio.

Pergunta: O senhor afirmou que os países da América do Sul podem desempenhar um papel maior nas Nações Unidas. Qual papel o senhor vê para os países da região?

Secretário-Geral: Os países da América do Sul têm participado ativamente nas áreas de paz e segurança, ao enviar tropas e policiais para as Operações de Paz da ONU, como aquelas no Haiti, Sudão, Líbano, Chipre e muitos outros lugares. Esta é uma missão muito nobre, mas que infelizmente, nos últimos anos, tem causado trágicos sacrifícios em muitos membros de operações de paz no cumprimento de seu dever. Tive a oportunidade de visitar durante esta viagem centros de treinamento de operações de paz na Argentina e no Uruguai, e fiquei muito encorajado com a preparação das tropas.

Como mencionei, vocês estão promovendo a cooperação Sul-Sul, e isto é um aspecto muito importante para implementar a cooperação econômica entre países. Tradicionalmente, a cooperação era somente realizada do Norte para o Sul, de países desenvolvidos para países em desenvolvimento, e agora países de renda média estão olhando para o mundo em desenvolvimento.

Outro aspecto importante é a promoção dos direitos humanos. Vocês podem compartilhar as histórias, as experiências que as pessoas e os governos da América do Sul acumularam durante o período sombrio das ditaduras militares com as pessoas ao redor do mundo, onde os direitos humanos básicos ainda não são respeitados.

Pergunta: Qual são suas expectativas em relação à Rio+20?

Secretário-Geral: Em 1992, 20 anos atrás, no Rio de Janeiro, líderes mundiais chegaram a um acordo histórico para o desenvolvimento sustentável. Durante os últimos 20 anos, enquanto estiveram implementando estes acordos, os líderes mundiais não prestaram a devida atenção às consequências de diversos atos, que estamos vivenciado agora. Eles estiveram focados no crescimento econômico sem considerar suas consequências. Agora, desta vez, depois de 20 anos, temos de ser muito sérios para tentar encontrar uma maneira equilibrada e sustentável de alcançar este crescimento. Este é o principal objetivo desta conferência de alto nível no Rio de Janeiro.

Como disse, mudanças climáticas e questões como o manejo da água, segurança alimentar, e assuntos ligados à saúde, por exemplo, têm sido tratados de forma específica. Mas todos eles estão interligados, interconectados. Temos que vê-los de uma maneira mais ampla e abrangente, em conjunto. É por isto que nomeei o Painel de Alto Nível [sobre Sustentabilidade Global], que é liderado pelo Presidente Jacob Zuma, da África do Sul, e pela Presidente Tarja Halonen, da Finlândia, e formado por vários líderes mundiais. Pedi a eles que apresentassem recomendações ambiciosas e corajosas, porém práticas, para que estas recomendações possam ser apropriadamente traduzidas em negociações intergovernamentais.

O processo da Rio+20 vai produzir um texto geral em junho do próximo ano. E até lá as negociações vão continuar. Por isso não temos muito tempo. Espero que a Rio+20 seja capaz de chegar a um histórico, corajoso e ambicioso, mas prático quadro de implementação, para que possamos fazer deste mundo um ambiente de hospitalidade, onde cada aspecto de nossa vida possa ser sustentável.

Pergunta: Alguns países recentemente criticaram o método pelo qual as decisões em conferências que lidam com as mudanças climáticas são tomadas. Eles dizem que devem ser por maioria, e não por consenso, que isto está bloqueando as negociações. Qual sua opinião sobre isto?

Secretário-Geral: O processo de tomada de decisão é algo que deve ser determinado pelos Estados-Membros. Há muitos casos em que as decisões são tomadas por maioria, mas questões de desafios globais, como mudanças climáticas, que afetam todas as pessoas em todo o mundo, precisam ser apoiadas por todos os países do mundo para uma implementação suave e equilibrada. Mesmo que possa ser um processo exaustivo e frustrante, é melhor alcançar o consenso entre todos os Estados-Membros. Sei que isto gera algumas frustrações. Como Secretário-Geral também sinto-me frustrado, às vezes, mas o processo deve ser decidido pelos Estados-Membros.

Pergunta: O senhor se encontrou com a Ministra do Meio Ambiente e ela deve ter mencionado que o desmatamento da Amazônia aumentou recentemente. Esse aumento no desmatamento preocupa a ONU?

Em 2007, viajei para a Amazônia e foi uma experiência muito importante e útil para mim. Nós estamos muito preocupados com o desmatamento. Globalmente o desmatamento é responsável por cerca de 20% das emissões de gases de efeito estufa e temos que acabar com esta tendência. Fizemos um bom acordo em Cancun [em 2010] sobre questões do desmatamento e concordamos em prover os fundos necessários para as pessoas que dependem destas questões. Isto deve ser trabalhado mais detalhadamente em Durban [na COP17 – Convenção Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, em dezembro de 2011], e já falei com o Presidente Zuma, solicitei ao Governo da África do Sul que liderasse este processo. O sucesso da Conferência de Durban vai ser de grande ajuda para contribuir para o sucesso da Rio+20.

Sobre medidas domésticas específicas, o Brasil é o maior país florestal do mundo, e o modo como vocês lidarão com esta questão vai fazer uma grande diferença nos esforços globais. Espero que o Governo brasileiro, o parlamento brasileiro, indústrias agrícolas e outras comunidades discutam esse assunto de forma mais sincera e mais séria e tenham em mente que não é uma questão brasileira, é uma questão global de agir.

Pergunta: O senhor mencionou o preço dos alimentos, que se tornou um problema esse ano, por causa da grande especulação com commodities agrícolas. O que a ONU pode fazer para frear a alta dos preços, quando se tem um mercado que os eleva cada vez mais?

Secretário-Geral: Desde abril de 2008, quando o preço dos alimentos pela primeira vez bateu um recorde, imediatamente estabeleci uma força-tarefa global [Força-Tarefa de Alto Nível sobre a Crise Alimentar Global do Secretário-Geral], que inclui todas as agências da ONU que trabalham com assunto (FAO, PMA, IFAD, Banco Mundial, FMI) e organizações fora do Sistema da ONU. Desde então, tenho presidido a Força-tarefa, e Jacques Diouf, Diretor-Geral da FAO, tem atuado como Vice-presidente. Estamos muito preocupados com a volatilidade dos preços dos alimentos, por isso, esta questão deve ser tratada de forma abrangente em todo o mundo.

Pergunta: Quais serão suas prioridades em seu segundo mandato como Secretário-Geral da ONU?

Secretário-Geral: Devo continuar com minhas atuais agendas e prioridades, que estão associadas às mudanças climáticas, igualdade de gênero, um mundo livre de armas nucleares, e também ajudar muitas pessoas doentes por meio da mobilização de apoio político e financeiro, promover a estratégia global para a saúde materna e das crianças. Outra área importante é fortalecer as capacidades da ONU de entrega de ajuda humanitária para as pessoas necessitadas.

Mas é claro que todas estas iniciativas precisam de um forte apoio dos Estados-Membros. O Secretário-Geral é apenas uma pessoa, não pode lidar com estes pesados deveres. É por isso que estou sempre coordenando e trabalhando em conjunto com os Estados-Membros.

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