Especialistas da ONU veem possíveis crimes de guerra cometidos no Iêmen

Enquanto o conflito no Iêmen continua matando civis, a vida de bebês recém-nascidos em enfermaria de hospital de Áden corre perigo. Foto: UNICEF/Saleh Baholis
Enquanto o conflito no Iêmen continua matando civis, a vida de bebês recém-nascidos em enfermaria de hospital de Áden corre perigo. Foto: UNICEF/Saleh Baholis

A coordenadora humanitária da ONU no Iêmen, Lise Grande, descreveu na segunda-feira (2) os ataques aéreos na cidade de Dhamar como “hediondos”, considerando o número de mortes como “chocante”. “Estes são tempos difíceis para o Iêmen”, declarou. “Há dias de confrontos e ataques no sul do país com centenas de mortos.”

Os ataques atingiram um antigo complexo universitário comunitário no norte da cidade de Dhamar. De acordo com fontes locais, cerca de 170 presos estavam no complexo.

O Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) no Iêmen confirmou que 52 detentos estão entre os mortos e pelo menos 68 continuam desaparecidos. Mais vítimas devem ser encontradas à medida em que equipes de resgate continuam a trabalhar.

Os socorristas têm encontrado dificuldades devido a ataques repetidos no local. Acredita-se que sobreviventes ainda estejam presos nos escombros e a busca por mais vítimas continua.

“É uma tragédia. O custo para as vítimas desta guerra é insuportável”, disse Martin Griffiths, enviado especial do secretário-geral da ONU para o Iêmen. “Precisamos que isso acabe. Iemenitas merecem um futuro pacífico. A tragédia de hoje nos lembra que o Iêmen não pode esperar. Espero que a coalizão investigue este incidente. A responsabilização (dos culpados) deve prevalecer.”

“Parceiros humanitários estão enviando suprimentos médicos e cirúrgicos ao Hospital Geral de Dhamar e ao Hospital Maaber. Estamos enviando materiais médicos que estavam sendo utilizados na resposta ao cólera”, disse Grande. “Não temos escolha.”

Crise no financiamento humanitário

O ataque ocorreu apenas dois dias após Grande avaliar a situação do país como “muito frágil”. A falta de segurança é agravada pelo atraso do financiamento humanitário, que resultou no encerramento de vários programas de saúde.

A situação no Iêmen é considerada a pior crise humanitária do mundo, com cerca de 80% da população total de 24,1 milhões de pessoas necessitando de ajuda e proteção.

O Plano de Resposta Humanitária 2019 para o Iêmen requer 4,2 bilhões de dólares para prestar assistência a mais de 20 milhões de iemenitas, mas o projeto encontra-se apenas 34% financiado.

Em fevereiro, países doadores prometeram 2,6 bilhões de dólares para atender necessidades urgentes, mas até o momento menos de metade do valor foi recebido.

Não há lugar para se esconder da guerra no Iêmen, dizem peritos da ONU

A população do Iêmen tem sido alvo de diversos possíveis crimes de guerra nos últimos anos, incluindo recrutamento forçado de crianças e abusos sexuais nas prisões, disseram especialistas de direitos humanos da ONU na terça-feira (3), em um pedido por ações da comunidade internacional para colocar fim ao conflito.

No lançamento de seu segundo relatório sobre supostas violações cometidas no Iêmen — onde o governo do presidente Abd Rabbu Mansour Hadi, reconhecido pela comunidade internacional, está em conflito com forças da oposição Houthi —, o grupo de especialistas afirmou que há “falta de responsabilização”.

“Todas as partes (envolvidas) no conflito são responsáveis por inúmeras violações de direitos humanos, da lei internacional e humanitária”, disse Kamel Jenoubi, presidente do painel de especialistas. “Algumas destas violações podem configurar crimes de guerra.”

Descrevendo os horrores diários que iemenitas sofrem, Jenoube disse que não há lugar seguro no país devastado pela guerra — uma tática deliberada aplicada por ambos os lados do conflito.

“Os mísseis, os ataques aéreos e os atiradores atingem sem aviso pessoas que estão vivendo sua rotinas em locais onde não há conflito”, declarou. “Dá a impressão de que não há lugar seguro para se esconder no Iêmen.”

460 mil casos de cólera nos primeiro semestre de 2019

Outra tática de guerra descrita no relatório é a escolha deliberada de centros e serviços de saúde como alvo de ataques. Tais ações tiveram um impacto devastador na população que enfrenta a fome e já sofreu com 460 mil casos de suspeita de cólera na primeira metade do ano.

“Tivemos casos neste ano em que a Coalizão atacou um centro de combate ao cólera do Médicos sem Fronteiras (MSF) antes que ele fosse inaugurado, impedindo-o de funcionar pelo resto do ano”, disse Parke. “Ambos os lados no conflito já impediram propositalmente a entrega de vacinas contra o cólera à população do Iêmen.”

O grupo de especialistas pediu que outros países, entre eles a coalizão liderada pela Arábia Saudita que tem apoiado o governo do Iêmen desde março de 2014, parem de vender armas que possam ser usadas no conflito.

“O grupo de especialistas recomendou que os Estados terceiros proíbam a autorização de transferências de armas e se abstenham de prover armas às partes do conflito” disse Melissa Parke a jornalistas. “Há risco de que tais armas sejam usadas pelas partes para cometer ou facilitar violações graves das lei internacional e dos direitos humanos.”

Respondendo o questionamento de quais países estariam vendendo armas para os grupos em conflito no Iêmen, Charles Garraway disse que “certas nações” são “reconhecidas como fornecedoras de armas; entre elas, Estados Unidos, Reino Unido e França, mencionando apenas três. Do outro lado, temos relatos de que o Irã pode estar fornecendo armas aos Houthis.”

O relatório deve ser apresentado no Conselho de Direitos Humanos no final do mês.