Nota pública de representante da ONU Mulheres no Brasil, Rebecca Tavares, sobre o caso Eliza Samudio

Nota pública sobre a condenação do goleiro Bruno no caso Eliza Samudio.

ONU Mulheres

“A condenação do goleiro Bruno por este crime brutal foi fundamental para que o sistema de justiça brasileiro confirme seu comprometimento com o fim da violência contra a mulher. Ainda assim, acreditamos que a pena imposta foi menor do que o esperado: como já cumpriu quase dois anos e nove meses de pena (que no total soma 22 anos e 3 meses), Bruno pode requerer o regime semiaberto em pouco mais de quatro anos.

Temos esperança de que a Promotoria consiga reverter isso no Tribunal de Justiça no julgamento da apelação. Pois não basta conscientizar as mulheres de seus direitos se elas não se sentem protegidas pelo Estado. Precisamos pensar tanto na conscientização das mulheres como na capacitação dos operadores de direito, que aplicam a lei. Elas precisam dizer não à violência e denunciar, mas com a confiança de que serão atendidas e que a lei será cumprida.

Também não basta conscientizar os homens agressores caso não haja punições severas para estes crimes. Não podemos afirmar que o a condenação se tornaria um marco, mas com certeza seria uma importante vitória não só para a vítima e sua família, mas para todas as mulheres brasileiras.

Ainda há muitas mulheres que procuram ajuda e acabam sendo agredidas novamente, julgadas ou enviadas de volta para casa. É possível que delegados questionem as roupas que usam, se deveriam ou não ter saído sozinhas, entre outras acusações, culpando a vítima pela agressão que sofreu.

Isto aconteceu no próprio caso de Eliza Samudio. Antes de desaparecer, Eliza havia denunciado agressões do jogador, mas não recebeu a proteção devida. A juíza adotou uma medida machista, um erro fatal baseado na convicção de que existem classes diferentes de mulheres.

Não importa se ela era casada, juntada ou ex-amante de Bruno. Ela foi mais uma das mulheres que a justiça simplesmente não atendeu mesmo depois de várias denúncias, e isso ainda é relativamente comum. Os brasileiros sabem deste crime porque o goleiro Bruno é famoso, mas muitas mulheres são assassinadas mesmo após procurar o apoio do Estado.

A condenação não trará de volta a vida de Eliza, mas trata-se de um avanço no sentido de que o Estado se posiciona claramente contra a violência contra a mulher, impondo penas, que esperamos sejam cada vez mais duras, aos agressores.

Segundo dados de 2012 do Ligue 180, a Central de Atendimento à Mulher do governo federal, em 70,19% dos casos da violência doméstica contra a mulher, o agressor é o companheiro ou cônjuge da vítima. Acrescentando os demais vínculos afetivos (ex-marido, namorado e ex-namorado), esse dado sobe para 89,17% dos casos de violência contra a mulher.

Há seis meses, a SPM [Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República], em parceria com o Conselho Nacional de Justiça, lançou a campanha “Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha – A Lei é mais forte”. A mobilização inclui ainda o Ministério da Justiça, a Defensoria Pública e o Ministério Público, para que a lei seja mais forte do que qualquer sinal, tentativa ou sensação de impunidade. É compromisso da justiça assegurar julgamentos baseados em provas incontestáveis de condenação ou inocência, assim como evitar a banalização da violência e o sucessivo descumprimento aos direitos das mulheres.

Em resumo, estamos sim avançando, e esperamos que a justiça seja feita em casos de violência contra a mulher. É um trabalho diário, longo e árduo, mas acreditamos que o futuro pode ser diferente. O trabalho pela igualdade de gênero e empoderamento das mulheres requer um marco de ação integral, que garanta às mulheres viver suas vidas livres de qualquer tipo de violência. A ONU Mulheres trabalha com diferentes países em todas as regiões do mundo para remover os obstáculos que permitem uma plena igualdade entre homens e mulheres e assegurar as oportunidades para um desenvolvimento mais justo, equitativo e sustentável para todos.”

Rebecca Tavares
Representante da ONU Mulheres no Brasil