Violações de Israel em Gaza podem constituir crimes de guerra, diz comissão

Protestos na Faixa de Gaza no dia 14 de maio de 2018. Foto: OCHA
Protestos na Faixa de Gaza no dia 14 de maio de 2018. Foto: OCHA

A comissão independente das Nações Unidas sobre protestos no Território Palestino Ocupado afirmou no fim de fevereiro (28) que soldados israelenses cometeram violações de direitos humanos e da lei humanitária internacional, algumas destas possivelmente representando crimes contra a humanidade. A comissão apresentou um relatório focado em manifestações na Faixa de Gaza conhecidas como “Grande Marcha do Retorno e a Quebra do Cerco”.

“A Comissão possui bases sensatas para acreditar que, durante a Grande Marcha do Retorno, soldados israelenses cometeram violações de lei internacional de direitos humanos e lei humanitária internacional. Algumas destas violações podem constituir crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, e devem ser imediatamente investigadas por Israel”, disse o presidente da Comissão, Santiago Canton, da Argentina.

A Comissão recebeu mandato do Conselho de Direitos Humanos em maio de 2018 para investigar todas as supostas violações e abusos de lei humanitária internacional e de direitos humanos no Território Palestino Ocupado, no contexto de grandes protestos que começaram em Gaza em 30 de março de 2018. A Comissão é composta por Santiago Canton, Sara Hossain (Bangladesh) e Betty Murungi (Quênia).

Mais de 6 mil manifestantes desarmados foram baleados por atiradores militares, semana após semana, em locais de protesto ao lado da cerca de separação.

A Comissão investigou cada assassinato nos locais designados para manifestação ao lado da fronteira que separa Gaza, cobrindo o período do início dos protestos até 31 de dezembro de 2018. No total, 189 palestinos foram mortos durante as manifestações nesse período. A Comissão concluiu que forças da segurança de Israel mataram 183 desses manifestantes com munição letal. Dos mortos, 35 eram crianças, três eram paramédicos devidamente identificados e dois eram jornalistas também devidamente identificados.

De acordo com análises de dados da Comissão, as forças de segurança de Israel feriram 6.106 palestinos com munição letal em locais de protesto durante o período. Outros 3.098 palestinos ficaram feridos por fragmentos de bala, balas de metal revestidas com borracha ou bombas de gás lacrimogêneo. Quatro soldados israelenses ficaram feridos nas manifestações. Um soldado israelense foi morto em um dia de protesto, mas fora dos locais designados para manifestações.

“Não pode haver justificativas para matar e ferir jornalistas, médicos e pessoas que não apresentam ameaça iminente de morte para quem está no entorno. Especialmente alarmante é o ato de mirar crianças e pessoas com deficiência”, disse Sara Hossain. “Muitas vidas de jovens foram alteradas para sempre. No total, 122 pessoas tiveram um membro amputado desde 30 de março do ano passado. Vinte destas são crianças”.

A Comissão encontrou motivos sensatos para acreditar que atiradores de elite israelenses atiraram contra jornalistas, agentes de saúde, crianças e pessoas com deficiência, sabendo que estavam claramente reconhecíveis como tais.

A não ser que realizado de forma legal em autodefesa, atirar intencionalmente contra um civil que não está participando diretamente de hostilidades é um crime de guerra. A Comissão encontrou motivos sensatos para acreditar que membros das forças de segurança de Israel, ao longo de suas respostas às manifestações, mataram e feriram civis que não participavam de hostilidades ou apresentavam ameaça iminente. Estas sérias violações de direitos humanos e da lei humanitária podem constituir crimes de guerra ou crimes contra a humanidade.

A Comissão destacou a reivindicação israelense de que protestos na cerca de separação mascaravam “atividades terroristas” cometidas por grupos armados palestinos. No entanto, a Comissão concluiu que as manifestações tinham natureza civil, com objetivos políticos claramente afirmados. Apesar de alguns atos de violência significativa, a Comissão concluiu que os protestos não constituíram combate ou campanha militar.

O panorama legal aplicável foi baseado em lei internacional de direitos humanos. Esta avaliação não muda, mesmo que a investigação da Comissão tenha revelado que alguns manifestantes eram membros de grupos armados organizados. Outros eram membros de partidos políticos. A lei internacional de direitos humanos proíbe o uso de força baseado apenas na atual ou suposta afiliação de uma pessoa a qualquer grupo, em vez de se basear em sua conduta.

A Comissão também concluiu que alguns membros do comitê que organizou os protestos, que inclui representantes do Hamas, encorajaram ou defenderam uso indiscriminado de pipas e balões incendiários, causando medo entre civis e danos significativos a propriedades no sul de Israel. O grupo de especialistas concluiu que o Hamas, como autoridade de facto em Gaza, fracassou em prevenir estes atos.

A Comissão realizou 325 entrevistas com vítimas, testemunhas e fontes, e reuniu mais de 8 mil documentos. Uma parte integral da investigação foi a análise abrangente das redes sociais e quantidade vasta de material audiovisual mostrando incidentes, incluindo filmagens feitas por drones.

“A Comissão irá colocar as informações relevantes em documento confidencial, que será entregue ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), para fornecer acesso dos mecanismos de Justiça nacionais e internacionais a essas informações. A Corte Internacional de Justiça já está preocupada com esta situação”, disse Betty Murungi.

Autoridades israelenses não responderam solicitações feitas pela Comissão para informações e acesso a Israel e ao Território Palestino Ocupado.

Um relatório mais amplo, contendo fatos detalhados, informações contextuais e análises legais será publicado e apresentado ao Conselho de Direitos Humanos em 18 de março, em Genebra.