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Comissão da Verdade reúne países da América Latina e Caribe para troca de experiência

Conselheiros e autoridades reunidos no seminário que discutiu Comissões da Verdade na América Latina e Caribe (PNUD/Silvia Cavichioli)

Seis países, seis histórias marcadas por regimes autoritários, seis experiências a compartilhar. Brasil, Argentina, Paraguai, El Salvador, Peru e Guatemala se reuniram esta semana, em Brasília, para refletir e trocar experiências sobre as comissões da verdade criadas e implementadas nesses países.

O Brasil teve sua Comissão Nacional da Verdade (CNV) instalada em maio de 2012. Dos países latino-americanos, foi um dos últimos a criar o instrumento, que aqui tem o objetivo de apurar violações de direitos humanos praticadas por agentes públicos no período compreendido entre setembro de 1946 e outubro de 1988. No mundo, mais de 30 países já apostaram na iniciativa para resgatar sua memória e, em muitos casos, identificar e punir responsáveis.

O seminário As Experiências das Comissões da Verdade nas Américas: Comissão Nacional da Verdade do Brasil teve dois dias de programação. As sessões temáticas contaram com relatos de experiências dos países participantes. Foram abordados os seguintes temas: metodologia de trabalho — formas de organizar a investigação, com experiências da Argentina, Guatemala e Peru; apoio a vítimas e testemunhas, com relatos de El Salvador, Peru e Brasil; elaboração de recomendações, com exposições da Guatemala e Peru; alianças institucionais, com exposições de El Salvador, Paraguai e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); e comunicação estratégica, que teve relatos do Paraguai e do Centro de Informação das Nações Unidas (UNIC Rio).

Falas durante o seminário (PNUD/Silvia Cavichioli)“O que está sendo feito hoje, através deste esforço de compartilhar experiências de diferentes países, é implementar os melhores valores e princípios das Nações Unidas: um mundo com pleno respeito aos direitos humanos, com acesso à verdade e à Justiça”, destacou Jorge Chediek, Representante Residente do PNUD no Brasil.

Para Paulo Sérgio Pinheiro, membro da CNV, a Comissão ajudará o país a enfrentar o legado autoritário que, segundo ele, ainda persiste em algumas instituições do Estado e em certas práticas das polícias militares, servindo, até mesmo, ao combate à discriminação racial, fazendo com que a democracia tenha um melhor desempenho.

“Nossa expectativa é que possamos aprender com as experiências das outras comissões da verdade. No Brasil, [a Comissão] chega tarde, mas com uma vantagem, porque nesse quase um quarto de século depois do final da ditadura militar, muito aconteceu, muitos arquivos foram encontrados, muitos documentos foram acumulados, então há um acervo muito grande de materiais que as outras comissões, quando foram fundadas, não tinham”, destaca Pinheiro.

Participaram do seminário autoridades do governo brasileiro – entre elas os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, das Relações Exteriores, Antônio Patriota, e da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes; representantes da ONU, como o Diretor do UNIC Rio, Giancarlo Summa, e o Representante Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Amerigo Incalcaterra; e de instituições ligadas ao tema, como o Diretor do Programa de Verdade e Memória do International Centre for Transitional Justice (ICTJ), Eduardo González Cueva. Além das autoridades, participaram do evento conselheiros da Comissão Nacional da Verdade.

Experiências de outros países

A Comissão da Verdade e Reconciliação do Peru é considerada uma das mais representativas do gênero na região. Criada em 2001, encaminhou diversos casos ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e suas investigações fundamentaram processos como o que permitiu que o ex-presidente Alberto Fujimori acabasse preso por crimes cometidos durante seus mandatos.

Na Argentina, logo após o fim do regime miliar, em 1983, foi criada a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas. El Salvador teve a Comissão da Verdade estabelecida por meio do Acordo do México, em abril de 1991, e contou com a participação dos dois lados que participaram do litígio no país. Já na Guatemala, foi criada a Comissão para o Esclarecimento Histórico, em julho de 1994, pelo Acordo de Oslo. Essa comissão reuniu, assim como em El Salvador, o governo nacional e a guerrilha e suas recomendações reforçaram a necessidade de mudanças legislativas e institucionais. O Paraguai, assim como o Brasil, foi um dos últimos países a instalar a comissão, o que ocorreu 14 anos após o fim da ditadura militar, em outubro de 2003.

O PNUD Brasil está apoiando a estruturação e o trabalho da Comissão Nacional da Verdade. Para isso, está elaborando um projeto de cooperação técnica internacional, com vigência prevista até 2014, e que propõe três eixos de atuação: pesquisa, geração e sistematização de informações; estruturação de mecanismos de mobilização, articulação e comunicação, com foco no fortalecimento da atuação da Comissão; e estruturação da gestão processual e administrativa da CNV, assim como a assessoria técnica aos subcomitês temáticos.

“A parceria entre PNUD e CNV já começou com o apoio que nós demos ao seminário, e esperamos que em breve possamos ter uma parceria consolidada através desse projeto de cooperação”, diz Moema Freire, Oficial de Programa do PNUD Brasil.

Escritório Regional da ONU para Direitos Humanos saúda nomeação de integrantes da Comissão da Verdade no Brasil

ACNUDH América do SulO Representante Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Amerigo Incalcaterra, parabeniza o Estado brasileiro pela nomeação dos sete membros da Comissão Nacional da Verdade, que visa esclarecer as violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 no país.

Os integrantes da Comissão da Verdade são Rosa Maria Cardoso da Cunha, José Paulo Cavalcante Filho, José Carlos Dias, Gilson Dipp, Claudio Fonteles, Maria Rita Kehl e Paulo Sérgio Pinheiro.

“A Comissão da Verdade é uma ferramenta fundamental no cumprimento da obrigação que tem o Estado de esclarecer todas as violações contra os direitos humanos, sem importar o tempo transcorrido desde os acontecimentos”, disse Incalcaterra. “As Comissões da Verdade são um mecanismo para ajudar os Estados na reconstrução de uma parte importante da história do país e para orientar os seus esforços na procura de verdade, de uma efetiva reconciliação nacional e para evitar que fatos dessa gravidade se repitam no futuro”.

Incalcaterra lembrou que as vítimas e seus familiares têm o direito imprescritível de conhecer as circunstâncias envolvendo esses crimes. “A verdade é um direito cujo exercício ninguém, nem mesmo seu próprio titular, pode negar”, expressou.

O Representante Regional ofereceu aos integrantes da Comissão da Verdade a experiência internacional do ACNUDH, além de acompanhamento e assessoramento técnico para o cumprimento dos padrões internacionais de direitos humanos no desenvolvimento do seu mandato.

Navi Pillay, Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, ressaltou em 2011 que a criação da Comissão da Verdade é um desenvolvimento “há muito aguardado”, que “mostra o compromisso do Brasil em tratar os direitos humanos em casa e em todos os lugares do mundo”, disse. “É uma primeira medida essencial e bem vinda para curar as feridas do país e esclarecer os erros do passado”.

Instituída pela lei 12.528, sancionada pela Presidenta Dilma Rousseff em novembro de 2011, a Comissão Nacional da Verdade foi prevista no terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos do país em 2010. Espera-se que a Comissão da Verdade ajude a sociedade brasileira a compreender e reconhecer uma história questionada ou ainda negada, além de prevenir que se produzam novas violações, recomendando a adoção de reformas institucionais e políticas públicas.