Comunidade LGBTI precisa de pessoas públicas se assumindo, defende atleta Ian Matos

Para o atleta dos saltos ornamentais Ian Matos, identificar-se publicamente como homem gay é um movimento político que pode ajudar a combater a discriminação. Em 2014, o brasileiro decidiu vir a público para falar sobre sua orientação sexual. Em depoimento para a campanha da ONU Livres & Iguais, ele chama atenção para como os estereótipos de gênero – o que é considerado pela maioria da sociedade como “coisa de homem” ou “coisa de mulher” – afetam as vidas de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex (LGBTI).

“Eu tenho convicção de que a homofobia nasce do machismo”, afirma Ian, que lembra nunca ter se identificado com aquilo que lhe diziam ser do sexo masculino. Na infância e na juventude, foi chamado de gay antes mesmo de saber o que isso significava.

Aos 28 anos, o atleta é um dos mais bem-sucedidos brasileiros do salto ornamental. Ian coleciona títulos nacionais na categoria do trampolim de três metros. Desde 2012, com o colega Luiz Outerelo, o atleta conquistou o ouro no sincronizado nos dois torneios brasileiros que acontecem anualmente — a Taça e o Troféu Brasil. A participação nas provas individuais do trampolim de três metros lhe rendeu o primeiro lugar em 2017, 2016 e outros anos. O trampolim de um metro — categoria não olímpica — também foi palco de vitórias.

No ano passado, o esportista representou o Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Agora, em 2017, ele levará a bandeira do país para o 17º Campeonato Mundial de Salto Ornamental organizado pela Federação Internacional de Natação (FINA).

O torneio começa na sexta-feira (14), em Budapeste. Já no primeiro dia de competição, Ian participará das eliminatórias do trampolim de um metro individual. No dia 19, o saltador competirá nas provas do trampolim de três metros individual. No dia 22, ele salta com a colega Tammy Galera, na prova do trampolim de três metros sincronizado misto.

Nascido no Pará, o atleta se mudou em 2007 para Brasília, quando começou a competir na categoria adulto. Na capital federal, treinou ao lado de César Castro, saltador mais experiente que participou de todas as Olimpíadas desde os Jogos de Atenas, em 2004. Foi também em Brasília que Ian teve experiências pessoais bem distintas das que havia vivido até então em Belém e em seu estado de origem.

“Eu amadureci muito em Brasília, tanto como atleta, quanto no meu lado pessoal. Eu pude conviver com pessoas com quem eu não tinha convívio em Belém. Eu pude ver casais homossexuais vivendo há vários anos juntos, que já tinham uma união estável, que já tinham construído uma família. Esse tipo de vivência, eu não tinha em Belém. Então, para mim, (isso) não existia”, conta.

Em 2014, a mudança para o Rio de Janeiro — motivada pela necessidade de se preparar para as Olimpíadas de 2016 — o levou a falar abertamente à imprensa sobre sua orientação sexual.

“É um movimento político de que a gente precisa. A comunidade LGBT precisa de pessoas falando ‘olha, eu sou gay e não tem nenhum problema com isso, eu sou uma pessoa como qualquer outra'”, defende Ian. Para ele, “o ato de pessoas públicas estarem assumindo a sexualidade é um ato de representatividade”.

O atleta aposta na educação e no combate ao machismo para pôr fim à discriminação enfrentada por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

“A gente tem comportamentos machistas, homofóbicos, racistas e a gente não percebe. Às vezes até com palavras pequenas que a gente usa no dia a dia, a gente destila preconceito e a gente nem se toca. Isso é um trabalho de autoconhecimento, de se colocar no lugar do outro, de analisar e tentar ver de uma forma diferente”, conclui.

Pessoas LGBTI no mundo do esporte

O depoimento de Ian Matos à Livres & Iguais é parte de uma série de vídeos sobre atletas LGBTI produzida pela campanha em parceria com o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio). Cada vez mais, esportistas de alta performance do mundo todo têm rompido o silêncio e se colocado publicamente como pertencentes à comunidade LGBTI.

Os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro foram emblemáticos nesse sentido, com a participação de um número recorde de atletas LGBTI das mais diversas nacionalidades. Segundo organizações que trabalham pela defesa dos direitos de pessoas LGBTI, como a Human Rights Campaign e a OutSports, em torno de 40 a 55 competidores LGBTI participaram das Olimpíadas de 2016.

No entanto, a discriminação vivida por esses indivíduos no universo do esporte ainda é grande, e muitos têm medo das consequências e das represálias que podem enfrentar ao se colocarem publicamente como lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou intersex.

O preconceito pode se manifestar de vários modos, desde o assédio moral por parte de colegas e treinadores à exclusão de oportunidades de patrocínio, financiamento e publicidade. Muitos atletaschegam a ser impedidos de participar de competições oficiais ou de praticar profissionalmente o seu esporte devido à impossibilidade de cumprir regulações discriminatórias, como tem sido o caso de esportistas transgênero e intersex.

O atleta LGBTI muitas vezes é admirado e tratado como herói em seu país, mas sofre com o dilema entre viver livre de medos e segredos ou lidar com estereótipos negativos pelo fato de assumirem publicamente sua orientação sexual (lésbica, gay ou bissexual), identidade de gênero (travestis ou transexuais) ou status sexual (intersex).

Visibilidade ajuda a combater discriminação

Muitas pessoas ainda acreditam que a orientação sexual, a identidade de gênero ou o status sexual é assunto privado, que deve ser mantido em segredo. No entanto, os altos índices de discriminação e violência que afetam a população LGBTI mostram que é urgente debater o tema na sociedade e propor políticas públicas para promover a inclusão social e a efetivação plena dos direitos humanos desse público.

Em mais de 70 países do mundo, relações consensuais entre adultos do mesmo gênero ainda são criminalizadas – e, em pelo menos cinco deles, a punição pode chegar à pena de morte.

Apesar de esse não ser o caso do Brasil, no país ainda não existe uma legislação que proíba especificamente a discriminação com base em orientação sexual, identidade de gênero ou status sexual. Além disso, também não são coletados dados oficiais sobre lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex, o que torna difícil mensurar o acesso dessa população às políticas públicas e garantias sociais já existentes, assim como propor mudanças para torná-las mais acessíveis a pessoas LGBTI.

O resultado disso é que pessoas LGBTI continuam sofrendo assédio, violência e discriminação nos mais diversos contextos: em suas famílias, nas escolas, no ambiente de trabalho e também nos esportes..

A campanha da ONU Livres & Iguais celebra todos os atletas que tomaram a decisão de se colocar publicamente como parte da comunidade LGBTI. Com seus exemplos, eles contribuem para que cada vez mais pessoas sejam livres para serem quem são e amarem quem quer que seja.

Confira aqui o vídeo anterior da série da Livres & Iguais no Brasil sobre atletas LGBTI com a jogadora de rúgbi Isadora Cerullo:

Livres & Iguais

A Livres & Iguais é a campanha da Organização das Nações Unidas pela promoção da igualdade de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersex. Iniciativa inédita e global da ONU, ela reconhece que orientação sexual e identidade de gênero atuam como fatores que estruturam desigualdades sociais e impactam negativamente a fruição plena dos direitos humanos das pessoas LGBTI.

Implementada no Brasil desde 2014, a campanha possui parcerias com a Prefeitura de São Paulo e com o estado de Minas Gerais, e conta com Daniela e Malu Mercury como suas Campeãs da Igualdade.

Saiba mais sobre a campanha aqui: https://nacoesunidas.org/campanha/livreseiguais/ e www.unfe.org/pt.