Arquivo da tag: Refugiados & Migrantes

Conheça os trabalhadores humanitários do ACNUR: heróis da vida real

Garota Rohingya com funcionária do ACNUR em um centro de nutrição em Bangladesh. Foto: Kamrul Hasan/ACNUR

O Dia Mundial Humanitário é celebrado em 19 de agosto. A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) é formado por 16.000 trabalhadores humanitários. São 16.000 pessoas comprometidas todos os dias em proteger, ajudar e contar histórias de refugiados.

A data foi criada em memória aos trabalhadores humanitários vítimas de um atentado à sede da ONU no Iraque, em 2003. O brasileiro Sergio Vieira de Mello foi uma das vítimas. Na época, ele atuava como Representante Especial do Secretário Geral da ONU no Iraque.

Em seus anos de trabalho no ACNUR, Sergio dedicou sua vida para ajudar pessoas que fugiam de guerras e conflitos em diversos países, como Bangladesh, Sudão, Líbano, Moçambique e Camboja. Sua memória e seu legado permanecem cultivando esperança em todos que fazem de suas vidas uma missão de paz, tolerância e cooperação, em busca de um futuro mais justo para todos.

Veja também: Conheça Sérgio Vieira de Mello e sua trajetória no trabalho humanitário

O ano de 2019 foi o mais perigoso para os trabalhadores humanitários até o momento: 483 trabalhadores humanitários foram atacados, 125 mortos, 234 feridos e 124 sequestrados, em um total de 277 incidentes separados.

Mais do que nunca, o ACNUR se orgulha e celebra os trabalhadores que seguem na linha de frente de emergências humanitárias em todo o mundo.

Conheça alguns dos heróis e heroínas da vida real – os trabalhadores humanitários – que estão na linha de frente das ações do ACNUR no Brasil e no mundo:

Catalina Sampaio — Oficial de Campo em Manaus, AmazonasCatalina no Abrigo Nova Canaã. Foto: Flávia Faria (ACNUR)

“Grande parte da minha família foi refugiada por motivos de perseguição política na América do Sul. A experiência vivida por eles é a minha maior inspiração para trabalhar na área humanitária, sobretudo na área do refúgio. Para mim é muito importante poder proporcionar proteção para as pessoas que estão em uma jornada parecida a essa que marcou a minha família.

É extremamente gratificante quando percebemos que as pessoas que encontramos em extrema vulnerabilidade conseguiram se reestabelecer, foi o caso da situação do aumento do fluxo de venezuelanos em Boa Vista. Quando conseguimos encaminhar as pessoas que viviam na praça Simon Bolívar de forma segura para o novo abrigo, Oferecer proteção para tantas pessoas de uma só vez foi muito gratificante. Mas é muito desafiador quando não conseguimos atender, de maneira individual, todos os casos que chegam até nós. Sabemos que dentro de uma emergência, tudo é urgente. Entretanto, a parte mais difícil do trabalho é identificar e priorizar as urgências. A pior é quando temos que dizer ‘ainda não’.”

Leia mais sobre a Catalina aqui.

Allana Ferreira — Assistente Sênior de Informação Pública em Boa Vista, RoraimaAllana Ferreira, assistente de informação pública do ACNUR, em abrigo temporário em Pacaraima, no norte do Brasil, em julho de 2019. Foto: Acervo Pessoal

“A minha experiência como trabalhadora humanitária começou em 2013, no Líbano. O país vizinho, Síria, estava em conflito. Nessa época, entendi que os efeitos da guerra não conhecem fronteiras. Comecei cobrindo ações humanitárias com refugiados sírios, iraquianos e palestinos no Líbano. Depois disso, atuei em projetos de atendimentos a refugiados e deslocados no Iraque.

Hoje trabalho no ACNUR em Boa Vista onde prestamos suporte às muitas famílias que chegam em busca de proteção. A minha motivação a continuar trabalhando pela causa do refúgio é saber que por trás dos números, que muitas vezes assustam, existem histórias a serem contadas. O ACNUR tem desempenhado, através das doações de pessoas como você, um papel fundamental na emergência humanitária no norte do Brasil, que se agravou ainda mais com a chegada do novo coronavírus”.

Leia mais sobre a Allana aqui.

Livia das Neves — Brasileira que trabalha no Iraque como Oficial de Proteção do ACNURLivia das Neves durante visita de campo com ACNUR. Foto: Arquivo Pessoal

“Aos 21 anos, eu estava em um trabalho que não achava gratificante. Anos mais tarde tive a oportunidade de fazer um estágio no ACNUR e, desde então, soube que queria trabalhar no setor humanitário. No ACNUR me sinto uma pessoa privilegiada por poder usar o meu trabalho em prol da proteção e assistência de pessoas que foram obrigadas a fugir de suas casas.

O meu trabalho me proporciona momentos que me dão a motivação para continuar. Os melhores são aqueles em que vejo refugiados alcançarem grandes conquistas, apesar de todos os desafios que encontram. Mas já vivi dias muito difíceis. Uma vez me deparei com o caso de uma refugiada que chegou ao campo onde eu trabalhava em um estado de saúde muito delicado após ter sobrevivido à violência sexual e tortura”.

Leia mais sobre a Livia aqui.

Hugo Reichenberger — Brasileiro que trabalha na Ucrânia como Oficial de Relações Externas do ACNURHugo em visita a famílias em Donetsk, Ucrânia. Foto: Arquivo pessoal

“Trabalho no ACNUR há mais de dez anos, mas ainda me emociono quando vejo o impacto do nosso trabalho na vida das pessoas. Já atuei no Brasil, Argélia, Burkina Faso, República Centro Africana, Chade, Mianmar, e na Suíça. Agora estou na Ucrânia, onde muitas pessoas vivem no meio da guerra e ouvem diariamente sons de morteiros, bombas e tiros.

Desde pequeno eu sonhava em ser diplomata, mas tudo mudou em 2004, quando surgiu a oportunidade de atuar numa ONG de proteção aos direitos das crianças e adolescentes. Foi assim que me apaixonei pelo trabalho de direitos humanos e como ele pode transformar e empoderar pessoas que mais precisam”.

Leia mais sobre o Hugo aqui.

Shayla Nascimento — Assistente de Campo em Boa Vista, RoraimaCasamento coletivo no abrigo para refugiados Rodon 2 em Boa Vista, Roraima. Foto: Reynesson Damasceno/ACNUR

“Quando decidi que queria ser trabalhadora humanitária, acreditava ser algo muito distante, até que vi acontecer na minha cidade. Virei intérprete, e ajudava as pessoas a preencherem suas solicitações de refúgio. Com a interiorização, tenho o privilégio de estar presente em muitos momentos de felicidade para as famílias. Situações que parecem simples para a maioria das pessoas, como saber que eles conseguiram emprego, que os casais LGBTI puderam oficializar sua união e que as crianças estão estudando depois de tanto tempo é muito gratificante pra mim.

Mas faz parte do trabalho vivenciar momentos difíceis, pois estamos em uma situação de emergência. Dentre eles, lembro dos meus primeiros meses como assistente de campo em um momento muito crítico. O número de pessoas em situação de rua aumentava e chovia muito todos os dias em Boa Vista, parte da cidade ficava alagada. Nesse dia, não consegui ajudar uma senhora idosa visivelmente debilitada que relatou ter caminhado por muitos dias para chegar até Boa Vista e estava vivendo nas ruas. Não havia vagas em nenhum dos abrigos da cidade. Um dia, a reencontrei, ela me reconheceu e disse que estava agradecida ao ACNUR por ter conseguido sair das ruas e poder buscar melhorias para sua família. Esse está dentre um dos melhores dias de trabalho desde que comecei no ACNUR”.

Leia mais sobre a Shayla aqui.

Mesmo diante de desafios sem precedentes, trabalhadores humanitários seguem na linha de frente de emergências em todo o mundo. Todos os dias, eles dedicam suas vidas à proteção de quem mais precisa.

Para apoiar os esforços dos trabalhadores humanitários no Brasil e no mundo, faça uma doação agora mesmo!

UNFPA leva cuidados de saúde às pessoas refugiadas e migrantes durante as madrugadas em Boa Vista

Dupla de enfermeiros trabalham durante as madrugadas com pessoas refugiadas e migrantes em Boa Vista. Foto: UNFPA

A rotina dos profissionais de enfermagem André Luiz de Souza Cruz e Ana Paula Silva inclui não apenas o cuidado com a vida, mas também ações de prevenção que muitas vezes não ocorrem em ambientes hospitalares. Eles são plantonistas do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) na Área de Proteção da Operação Acolhida em Boa Vista (RR).

Desde a chegada dos profissionais, em maio de 2020, mais de 670 pessoas refugiadas e migrantes já passaram pela Área de Proteção e puderam contar com assistência em saúde durante toda a noite, das 19h às 7h da manhã. Responsáveis por acompanhar as pessoas com suspeitas ou confirmadas com a COVID-19, os profissionais do UNFPA auxiliam nos cuidados relacionados à enfermidade e ainda atendem outras demandas de saúde.

Entre as pessoas acolhidas na Área de Proteção, a grande maioria é de mulheres e crianças. De acordo com o último boletim epidemiológico do estado de Roraima, as mulheres são mais afetadas pela COVID-19, correspondendo a 55% dos casos confirmados na unidade federativa. Além disso, a grande maioria das mulheres confirmadas para a doença (cerca de 70%), estão em idade reprodutiva. Nesse contexto, além de tratar das demandas imediatas, os enfermeiros abordam questões ligadas à saúde sexual e reprodutiva e ao combate à violência de gênero.

“Checamos todos os cuidados referentes à COVID-19, mas prestamos uma assistência mais humanizada, holística, que é quase uma atenção básica. Abordamos questões de planejamento familiar, violência sexual”, contou o enfermeiro do UNFPA, André Cruz. A atuação inclui espaços de diálogo e disseminação de informação segura sobre saúde sexual, infecções sexualmente transmissíveis e uso de contraceptivos.

A área de proteção é dividida em dois espaços, sendo um reservado para pessoas com a confirmação de infecção pela COVID-19 e outra para aquelas que estão sob suspeita. A equipe de saúde do UNFPA se reveza no plantão a cada noite, acompanhando de perto pacientes mais graves, garantindo o uso correto das medicações e respondendo outras necessidades. “O principal é a COVID, com problema respiratório, coriza, tosse. Fora isso é problema de pele, verminose, diarreia e desnutrição”, relatou o enfermeiro.

A enfermeira da UNFPA, Ana Paula Silva, contou que foi recebida com muita gratidão pelas pessoas refugiadas e migrantes na Área de Proteção. “Quando nós chegamos, eles agradeceram, porque se não tivesse plantão, não tinha ninguém para dar assistência”. Para ela, trabalhar pelo UNFPA na área de proteção, “é uma experiência muito boa”.

O enfermeiro André afirmou que “esse olhar para o refugiado e para o migrante é muito importante, porque não é só a COVID-19 mas outras patologias, outros agravos. Damos não apenas a assistência, mas promoção e prevenção, educação em saúde, orientações”.

Segundo a representante do UNFPA no Brasil, Astrid Bant, a atuação da equipe de saúde no contexto de assistência humanitária tem por objetivo apoiar a resposta brasileira diante do fluxo migratório e no enfrentamento a pandemia da COVID-19. “Em algumas regiões estamos vivendo uma emergência dentro da emergência e precisamos atuar no sentido de atender todas as pessoas nas suas necessidades específicas e estamos fazendo isso ao nos somarmos a resposta do governo brasileiro em Roraima”.

Profissionais da Área de Proteção que não são ligados ao UNFPA também participaram de processos de sensibilização e formação sobre Violência Baseada em Gênero (VBG) e Proteção Contra Abuso e Exploração Sexual-PSEA. A preparação e iniciativa foi do Sub Grupo de Trabalho em Violência Baseada em Gênero, sendo liderada por UNFPA, ACNUR, e ONU Mulheres, em articulação com Unicef, Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI), Médicos Sem Fronteira (MSF) e Comando da Força-Tarefa Logística Humanitária para o Estado de Roraima.

Agência da ONU para Refugiados doa 180 camas para hospital de campanha em Boa Vista

Leitos de UTI doados pelo ACNUR no hospital de campanha da Operação Acolhida em Boa Vista, Roraima. Foto: Allana Ferreira/ACNUR

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) doou 180 camas para o hospital de campanha de Boa Vista, construído pela Força Tarefa Logística Humanitária da Operação Acolhida para atender pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela, além de brasileiros vítimas da COVID-19 no estado fronteiriço de Roraima.

A doação faz parte da estratégia do ACNUR para enfrentar a pandemia do novo coronavírus entre a população refugiada, beneficiando também as comunidades de acolhida dessas pessoas.

“Ter equipamentos médicos apropriados é fundamental para uma boa resposta à COVID-19. Por isso, o ACNUR doou as camas de UTI, juntamente com colchões e travesseiros, que serão essenciais para o tratamento de casos mais graves. Isso reafirma nosso compromisso com a Operação Acolhida e a Área de Proteção e Cuidados (APC), que tem atendido refugiados, migrantes e brasileiros no contexto da pandemia do novo coronavírus em Roraima”, explicou o coordenador sênior de campo do ACNUR, Arturo de Nieves.

O ACNUR vem colaborando sistematicamente com a APC desde a elaboração do plano arquitetônico deste hospital de campanha. Além dessa assessoria técnica, a Agência da ONU para Refugiados doou 250 casas modulares (ou RHUs / Refugee Housing Units) usadas nos abrigos temporários da Operação Acolhida, possibilitando o atendimento de até mil pessoas na ala para isolamento de casos suspeitos e confirmados da APC. Também doou duas mil camas regulares e colchões para o hospital, permitindo um amplo atendimento à população de Boa Vista.

Além disso, o ACNUR colaborou com o desenvolvimento da ferramenta de gestão da informação que permite aos gestores da APC processar prontuários médicos e agilizar os atendimentos. Também articulou parcerias com o setor privado que levaram à doação de equipamentos de proteção individual, aparelhos hospitalares, medicamentos e outros insumos que estão contribuindo para o funcionamento efetivo do hospital.

“O ACNUR é um dos parceiros relevantes da Operação Acolhida, com pronta resposta à emergência humanitária causada pela COVID-19, que veio dentro de uma crise que já existia. As camas de UTI doadas vão melhorar a qualidade da Área de Proteção e Cuidados, tão necessária no nosso trabalho de salvar vidas”, disse o coordenador da Operação Acolhida para o estado de Roraima e o município de Manaus, General Antonio Manuel de Barros.

Para evitar a disseminação da COVID-19 junto a refugiados e migrantes da Venezuela, o ACNUR já distribuiu mais de nove mil kits de limpeza, higiene pessoal, colchões e redes, beneficiando cerca de 15 mil pessoas.

A Agência da ONU para Refugiados também tem reforçado o apoio financeiro para pessoas refugiadas em situação de maior vulnerabilidade, garantindo seus gastos emergenciais e essenciais durante a pandemia da COVID-19. Além disso, garante a distribuição de informações seguras sobre a prevenção da doença e de orientações sobre como a população refugiada pode acessar os auxílios pagos pelo governo federal.

Em 2020, o ACNUR recebeu contribuições de diversos países para fortalecer sua atuação no Brasil protegendo pessoas em situação de vulnerabilidade. Mais recentemente, o Bureau de População, Refugiados e Migração (PRM) do Departamento de Estado dos Estados Unidos ofereceu ao ACNUR recursos adicionais direcionados a fortalecer o combate à COVID-19, especialmente no norte do país.

Japão, Luxemburgo e União Europeia também têm contribuído generosamente com o ACNUR, destinando fundos para reforçar a resposta humanitária do Brasil ao fluxo de refugiados e migrantes venezuelanos, e que se tornou ainda mais necessária com a COVID-19.

O ACNUR, seus parceiros e outras agências da ONU apoiam a Operação Acolhida, que é a resposta do governo federal ao fluxo de refugiados e migrantes venezuelanos para o Brasil. A agência atua no monitoramento da fronteira, na gestão dos abrigos temporários e com serviços de proteção, incluindo registro, documentação e acompanhamento de casos mais vulneráveis. O ACNUR também apoia a estratégia de interiorização, que tem permitido a refugiados e migrantes da Venezuela encontrar melhores condições de integração socioeconômica em várias partes do país.

Sobre o ACNUR: A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) é uma organização humanitária global dedicada a salvar vidas, proteger os direitos e garantir um futuro digno aos refugiados, deslocados internos e apátridas, vítimas de violações dos direitos humanos. Presente em mais de 130 países, o ACNUR atua em conjunto com os setores público e privado, para garantir assistência emergencial, aprimorar políticas públicas e cooperar com organizações parceiras que também trabalham com a causa. A atuação do ACNUR é coordenada com o Poder Público, organizações da sociedade civil, academia e doadores.

ACNUR apoia o lançamento do plano municipal para imigrantes da prefeitura de São Paulo

Representante do ACNUR no Brasil, Jose Egas (ao centro), participa da live de lançamento do Plano Municipal de Política para Imigrantes. Foto: ACNUR

Pioneira na implementação de políticas públicas voltadas para a integração de pessoas refugiadas e migrantes, a Prefeitura de São Paulo lançou, na semana passada (11), o primeiro Plano Municipal de Políticas para Imigrantes.Composto por 80 ações a serem cumpridas pelo poder público até 2024, o plano é dividido em oito eixos que refletem as reais necessidades de integração da população refugiada e migrante que vive na capital.

Fruto da Conferência Municipal de Políticas para Imigrantes, realizada em novembro do ano passado com a participação de 800 pessoas, o presente plano é um instrumento de planejamento, implementação, monitoramento e avaliação da política municipal para a população de outras nacionalidades que vivem na cidade, tendo vigência entre os anos de 2021 e 2024.

Composto por 80 ações a serem cumpridas pelo poder público até 2024, o plano é dividido em oito eixos que refletem as reais necessidades de integração da população refugiada e migrante que vive na capital. Dentre as ações referenciadas, destacam-se a necessidade de implantar um centro de acolhida especial 24hs para famílias e ampliar as unidades de abrigamento existentes; promover políticas de subsídio para o transporte público para refugiados e migrantes em situação de vulnerabilidade; criar e manter um centro cultural de referência e memória sobre refúgio e migração; criar e monitorar programas específicos de acompanhamento a pessoas LGBTI+ refugiadas e migrantes; criar programas de conscientização sobre os direitos da população de outras nacionalidades e aprimorar os canais de denúncia para casos de racismo, xenofobia e outras formas de discriminação.

Para o representante do ACNUR no Brasil, Jose Egas, a construção do Plano Municipal reflete as diretrizes do ACNUR ao envolver as pessoas refugiadas na construção das políticas públicas que contemplam as diferentes perspectivas de quem vive nas cidades.

“São Paulo é uma cidade cosmopolita, que está na vanguarda das políticas municipais para a população refugiada no Brasil. Já é reconhecida pelo ACNUR como cidade solidária aos refugiados e o lançamento do plano municipal consolida a garantia de direitos de quem busca recomeçar suas vidas com respeito e dignidade. Por ser coletivo em sua elaboração, o plano é um perfeito exemplo de boa prática no âmbito da gestão municipal, dialogando com os anseios das pessoas refugiadas e migrantes que contribuem para o desenvolvimento da cidade”, afirmou o representante do ACNUR no Brasil.

De acordo com o coordenador em exercício de políticas para imigrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), Vinicius Duque, 13 pastas municipais estiveram envolvidas na construção do plano, ao lado da participação de pessoas refugiadas, migrantes e de profissionais técnicos do ACNUR e da OIM, agências das Nações Unidas voltadas para a temática do refúgio e da migração, respectivamente.

“O referente plano não se limita às ações da Secretaria de Direitos Humanos, trata-se de um plano para a cidade como um todo. As ações contidas em cada eixo temático envolvem as diversas secretarias da prefeitura e precisamos que sejam conhecidas e pautem o trabalho de cada equipamento público, como as escolas e os centros de assistência social”, explicou o coordenador da SMDHC.

Histórico da Política Municipal para Refugiados e Migrantes de São Paulo

Desde 2016, a cidade de São Paulo conta com uma política municipal voltada para a população refugiada e imigrante residente na cidade. A Lei Municipal nº 16.478 institui a Política Municipal para a População Imigrante de São Paulo (PMPI) que, de acordo com a própria lei, deve ser implementada de forma transversal às políticas e serviços públicos, garantindo, assim, o acesso aos direitos sociais e aos serviços públicos à população de outras nacionalidades.

No fim do mesmo ano, a Lei Municipal foi regulamentada por meio do Decreto 57.533, que atribuiu às Secretarias Municipais as competências necessárias para a implementação de políticas voltadas para a população refugiada e migrante. A Lei e o Decreto consolidaram uma série medidas para essa população implementadas no município desde 2013, como o Centro de Referência e Atendimento a Imigrantes (CRAI) e a criação do Conselho Municipal de Imigrantes (CMI).

Atuante desde outubro de 2017, o CMI é um colegiado ligado à Coordenação de Políticas para Imigrantes e Promoção do Trabalho Decente, da SMDHC, e tem como objetivo promover a participação social junto às políticas públicas voltadas à população refugiada e migrante, sendo mais uma sólida estrutura de participação do debate político adotada pela Prefeitura de São Paulo.

“Nós, do Conselho Municipal de Imigrantes, trabalhamos para que as propostas do plano municipal não se tornem uma letra morta, mas um plano de ações para que o poder público possa saber como começar e como terminar as medidas”, comentou o refugiado congolês Jean Katumba, presidente da ONG África do Coração – entidade integrantes do CMI.

Em 2019, o CMI contribuiu para a realização da 2ª Conferência Municipal, a qual definiu cinco objetivos esperados, entre esses “definir propostas prioritárias de execução municipal e promover as bases para a construção de um Plano Municipal”. No total, foram realizadas quatro pré-conferências regionalizadas e 18 conferências livres que, ao longo de três dias de discussão e deliberação, foram encaminhadas 78 propostas finais que estruturaram a base do plano municipal.

Encaminhamentos após o lançamento

O monitoramento do 1º Plano Municipal de Políticas para Imigrantes ficará a cargo do CMI, que deve se dar de forma contínua e transparente, com base nas metas, indicadores e linhas de base definidos no próprio plano.

Após os dois primeiros anos de vigência, o Plano prevê a realização de prestação de contas e revisão parcial junto à sociedade sobre a implementação de suas ações, de forma a avaliar os resultados e permitir eventuais correções ou adaptações necessárias à consecução de seus objetivos. Ao final de sua vigência, em 2024, o plano prevê, igualmente, a realização de avaliação final junto à sociedade, que deverá pautar a construção do 2º Plano de Políticas para Imigrantes.

A chefe do escritório do ACNUR de São Paulo, Maria Beatriz Nogueira, destacou a sinergia do plano municipal com o Pacto Global sobre Refugiados, pois embora o plano seja responsabilidade da gestão municipal, a participação de outros atores na implementação e no monitoramento se torna fundamental para garantir os resultados almejados.

“Cada vez mais as pessoas refugiadas estão vivendo em áreas urbanas, os municípios são os primeiros a responder as demandas existentes e as articulações entre os diferentes segmentos requer o envolvimento articulado de todos setores. O plano municipal agrega todos esses elementos, com responsabilidades compartilhadas e a certeza de que somente com o engajamento multissetorial as respostas mais assertivas poderão ser dadas à população refugiada e migrante”, afirmou a chefe do ACNUR em São Paulo.

Atualmente, vivem em São Paulo mais de 360 mil pessoas refugiadas e migrantes de cerca de 200 nacionalidades, contribuindo com a construção das pluralidades que formam o território da cidade. Em 2019 o ACNUR e a Caritas São Paulo lançaram um estudo georreferenciado sobre a população refugiada atendida pela organização, buscando assim facilitar o debate para a implementação de políticas públicas que potencializem a integração local de pessoas em situação de refúgio que vivem em São Paulo.

O ACNUR seguirá promovendo iniciativas sustentáveis e de longo prazo em prol da população refugiada, apoiando os esforços dos atores público e privado, da sociedade civil e da academia na construção de sólidos instrumentos que valorizem o potencial de quem busca proteção internacional no Brasil para reconstruir suas vidas com dignidade e respeito.

Irmãs do Sudão do Sul superam traumas e recomeçam suas vidas na Etiópia

“Nós cuidamos uma da outra. Não sabemos o que o futuro nos reserva." Foto: ACNUR/ Eduardo Soteras Jalil
“Nós cuidamos uma da outra. Não sabemos o que o futuro nos reserva.” Foto: ACNUR/ Eduardo Soteras Jalil

Aos 16 anos, Nyamach Lul já passou por mais perdas e tristezas do que a maioria das pessoas que viveram por mais tempo. A adolescente do Sudão do Sul perdeu o pai em um ataque de um grupo armado e depois a mãe por uma doença.

Depois que conflitos eclodiram em sua cidade natal Guel Guk, no Alto Nilo, Nyamach e sua irmã mais nova foram forçadas a fugir para a Etiópia em busca de segurança.

A única constante na vida de Nyamach tem sido sua irmã, Nyakoang, de 13 anos. Nos últimos quatro anos, elas fizeram de Jewi um lar.

O local é um dos sete campos na região de Gambella, Etiópia, que acolhem mais de 300 mil refugiados do Sudão do Sul. Existem outros 40 mil refugiados sul-sudaneses vivendo em outras regiões do país.

“Nós cuidamos uma da outra — somos apenas nós duas”, diz Nyamach. Ao contrário de outros irmãos, elas procuram não brigar. “Nós temos muito medo de discutir porque não sabemos o que o futuro nos reserva”, acrescenta Nyamach.

As irmãs Lul fugiram do Sudão do Sul em 2016, seguindo outras milhares de pessoas que também estavam desesperadas para escapar de assassinatos, estupros e da destruição das comunidades por aqueles que promovem a guerra. “Foi muito difícil. Nós fugimos sem nada”, lembra Nyamach.

O conflito no Sudão do Sul provocou um impacto devastador na vida das crianças, que representam mais da metade dos mais de 2 milhões de sul-sudaneses que vivem exilados. A violência não afasta as crianças apenas de suas famílias, lares e infâncias, mas também deixa milhares delas cuidando de si mesmas.

Na Etiópia, a maioria das crianças refugiadas vive com suas famílias, mas um número significativo — mais de 42 mil — não está acompanhada dos pais ou responsáveis. Esta crise de deslocamento tem uma das maiores proporções de famílias chefiadas por crianças no mundo. Mundialmente, o número é de 150 mil.

Como chefe de sua pequena casa, Nyamach teve que crescer muito cedo. “Não fico pensando na minha família porque eles já se foram”, diz. “Nós estamos aqui, eles não. É assim que as coisas são”.

Nyamach mantém a casa sempre limpa e arrumada. As panelas estão bem organizadas, uma em cima da outra. O chão é varrido constantemente e a vassoura fica pendurada na parede. Guardanapos verdes, que ela mesma fez com crochê, enfeitam as paredes. Na casa de Nyamach, há um lugar para cada coisa.

Depois de voltarem da escola, as irmãs Lul seguem uma rotina familiar. Nyamach prepara o mingau de fubá que é servido no jantar na maioria das noites. Enquanto ela esmaga grãos de milho com uma pedra, Nyakoang enche uma jarra de barro com água, lava uma panela para Nyamach cozinhar o mingau e junta a lenha para cozinhar. “Ela observa o que estou fazendo e vai aprendendo comigo”, diz Nyamach.

Quando falta o que comer, Nyamach pede que Nyakoang se alimente primeiro. Um tempo atrás, elas estavam precisando de sapatos. Nyamach vendeu parte da sua comida e comprou um par para Nyakoang primeiro. “Gosto de vê-la feliz, mais do que a mim mesa”, diz a irmã mais velha.

Há um vizinho que fica de olho nas meninas, mas Nyamach resiste à idéia de ter um pai adotivo. “Eu não vou deixar isso acontecer. Vou cuidar da minha irmã ”, diz ela, revelando uma obstinada determinação que a faz parecer muito mais velha.

Patrick Kawuma, chefe do sub-escritório de Gambella do ACNUR, Agência da ONU para Refugiados, diz que a situação das crianças do Sudão do Sul continua sendo um problema de grandes proporções, especialmente para menores de idade desacompanhados ou separados.

“Sempre que possível, o ACNUR localiza os pais desaparecidos e trabalha para reunir as famílias, permitindo que as crianças sejam crianças. Ter crianças como chefes de família significa que eles estão se tornando adultos em uma idade muito, muito jovem. Isso quer dizer que eles são forçados a crescerem rápido demais, perdendo a fase de serem crianças.”

A prioridade de Nyamach é garantir que ela e a irmã sobrevivam da melhor maneira possível e que permaneçam na escola. Sua matéria favorita é inglês. “Espero ter um bom trabalho um dia”, diz.