Arquivo da tag: Redução das desigualdades

ONU Mulheres apoia luta de lésbicas na defesa dos direitos humanos

A live “Mulheres Lésbicas na Defesa dos Direitos Humanos” também fez parte das ações do mês de agosto da Campanha Livres & Iguais. Foto: ONU Mulheres
A live “Mulheres Lésbicas na Defesa dos Direitos Humanos” também fez parte das ações do mês de agosto da Campanha Livres & Iguais. Foto: ONU Mulheres

Em celebração ao Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, 29 de agosto, o projeto Conectando Mulheres, Defendendo Direitos, uma iniciativa da ONU Mulheres Brasil apoiada pela União Europeia, recebeu na semana passada Iara Alves, da Associação Coturno de Vênus (DF), e Darlah Farias, do coletivo Sapato Preto (PA), para uma conversa ao vivo mediada por Monica Benicio, ativista LGBTI+ e feminista.

live “Mulheres Lésbicas na Defesa dos Direitos Humanos” também fez parte das ações do mês de agosto da Campanha Livres & Iguais, uma iniciativa liderada pelas Nações Unidas no Brasil, e abordou as desigualdades enfrentadas pelas mulheres lésbicas, sobretudo na pandemia da COVID-19, os desafios para a auto-organização e os caminhos possíveis para a transformação social.

A abertura da atividade foi realizada por Anastasia Divinskaya, representante da ONU Mulheres no Brasil, e por Domenica Bumma, chefe da Seção Política, Econômica e de Informação da Delegação da União Europeia no Brasil.

Em sua fala, Anastasia reforçou o compromisso da ONU Mulheres em contribuir para o fortalecimento do ativismo político das mulheres e para a ampliação dos seus espaços de liderança, de forma a visibilizar aqueles e aquelas que mais precisam de mudança e não deixar ninguém para trás.

Além disso, ressaltou a importância das lideranças políticas de mulheres lésbicas e das organizações de mulheres lésbicas no movimento global de direitos humanos, sendo fundamentais para romper as estruturas binárias e desiguais do patriarcado e promover a igualdade de gênero.

Domenica Bumma, por sua vez, destacou o compromisso da União Europeia em proteger e promover os direitos das pessoas LGBTI+, e o direito das pessoas de escolherem suas identidades e de estarem com as pessoas que amam, sem que sejam punidas por um ato de amor.

Ressaltou, ainda, que a União Europeia busca contribuir para a mitigação das violações de direitos das pessoas LGBTI auxiliando no acesso a mecanismos de proteção para amenizar o sofrimento causado pelas violências, além de ser uma das principais apoiadoras da sociedade civil em defesa dos direitos das pessoas LGBTI, garantindo segurança e proteção contra ameaças, apoiando iniciativas locais, incentivando a formação de redes e alianças, e auxiliando nas denúncias de discriminações sofridas por essas populações.

Para entender a realidade das mulheres lésbicas e situar o debate, Monica Benicio inaugurou a conversa questionando o apagamento dessa população, sobretudo a ausência de dados e, consequentemente, de políticas públicas que atendam às especificidades das mulheres lésbicas em toda a sua diversidade. Iara Alves enfatizou que o Estado precisa dar visibilidade para as mulheres lésbicas: “saber como estamos, onde estamos e quem somos nós, para que haja políticas públicas que atendam às necessidades das mulheres lésbicas. Elas constroem, trabalham, vivem e sofrem violências, precisam que os Estados enxerguem isso”.

Darlah Farias ressaltou que a ausência de dados não só invisibiliza as violências e violações sofridas pelas mulheres lésbicas, como também gera uma dificuldade de acessar direitos e serviços básicos: “é necessário uma política de saúde pública que leve em consideração os corpos e vivências das mulheres lésbicas (…) São raras as políticas de moradia que levem em consideração as mulheres negras lésbicas, e é nos ambientes domésticos onde ocorrem as violências e violações físicas e psicológicas contra essas mulheres.”

Ambas as convidadas afirmaram que são os movimentos de mulheres lésbicas os principais responsáveis pela produção de dados e informações sobre essa população, o que muitas vezes é doloroso, pois no processo de documentação muitas delas acabam revivendo violências que já sofreram. Além disso, algumas entrevistadas têm receio de disponibilizar informações pessoais em uma sociedade que as estigmatiza e violenta cotidianamente.

A pandemia da COVID-19 foi colocada como um agravante na situação de desigualdade que as mulheres lésbicas já experimentam. Iara Alves pontuou que as vulnerabilidades dessa população estão exacerbadas neste momento: com o isolamento social, a violência doméstica, seja física ou mental, sofrida por mulheres lésbicas que não são aceitas pelas famílias aumentou, sobretudo entre as que não performam uma feminilidade socialmente aceita.

Quando as mulheres lésbicas são negras, o cenário de violações é agravado. Darlah Farias ressaltou que as mulheres negras vêm experimentando um aumento da violência doméstica, como relatou o Mapa da Violência de 2015 e afirmou que “o corona vírus expôs a miserabilidade na qual a população negra está inserida: a falta de saúde pública, de política de moradia (se houvesse, muitas mulheres negras não sofreriam violência domésticas, por exemplo)”.

Iara Alves reforçou a centralidade do racismo nas violações de direitos que afetam as mulheres, especialmente no período de pandemia: “a questão racial sempre vem à frente dos outros atravessamentos e na pandemia isso ficou escancarado. O desemprego, por exemplo, cresceu mais entre as mulheres negras. São as mulheres negras que fazem trabalhos de linha de frente, e por isso ficam mais vulnerabilizadas socialmente e em maior situação de risco de saúde diante da COVID-19. Muitas mulheres negras não têm direito ou condições de isolamento.”

Durante toda a conversa, a diversidade e multiplicidade de identidades das mulheres lésbicas foi apresentada como uma realidade a ser considerada na defesa dos direitos humanos dessa população, e como um caminho fundamental para a superação de desigualdades, como pontuou Darlah Farias: “falar de construção para uma melhoria da nossa vivência é falar de uma luta antirracista, é falar de uma luta anti-LGBTfóbica, é compreender que não podemos invisibilizar a vivência da outra mana sapatão. Não é possível a construção política e social negando a existência do outro”.

Para finalizar a atividade, Monica Benicio ressaltou que “discutir o tripé gênero, raça e classe é fundamental para a transformação da sociedade” e sinalizou para a audiência que, apesar das dificuldades, o papel das mulheres lésbicas na defesa dos direitos humanos é central: “amar mulheres é um ato revolucionário – é sobre esse sentimento feminista que estamos falando.”

Acesse a live completa aqui: http://youtu.be/cqpbw-tAevg

Série de desenhos voltada para a primeira infância aborda desenvolvimento sustentável

“Hora do Blec” é uma série de vídeos musicais destinada, principalmente, ao público na primeira infância, com temas inspirados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Foto: PNUD

O contato com os conceitos e temas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) desde a infância pode influenciar a formação pessoal. Com foco no potencial da comunicação infantil como semente da equidade social, a série de desenhos “Hora do Blec” estreiou neste sábado (29) no YouTube. O projeto é da Ubuntu Filmes e conta com o apoio institucional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

“Hora do Blec“ traz uma turma de personagens multiétnicos que vivem várias aventuras em busca de um mundo mais sustentável. Blec é o protagonista, um menino negro que tem no seu cabelo um símbolo de poder, beleza e magia. Em suas missões, Blec aciona seu talismã secreto: um pente afro que vive em seu cabelo. Quando Blec puxa o pente, aparece a fada Lara, sua mestra, e logo seu cabelo arma, virando um lindo e mágico “black power”. Quem o interpreta o personagem é o ator David Junior.

“A importância desse projeto é a representatividade somada à pluralidade que o Blec traz, além do diálogo com outras crianças, a equidade social e a sustentabilidade. Se sentir representado através de uma animação para a primeira infância pode fazer toda a diferença no imaginário da criança pobre, preta, periférica e também dar uma nova perspectiva para outras crianças não negras sobre como a gente pode ser visto”, declarou o ator.

Trata-se de uma série de vídeos musicais destinada, principalmente, ao público na primeira infância, com temas inspirados nos ODS. Aprovados por unanimidade pelo grupo de países que compõem as Nações Unidas, os ODS reafirmam o compromisso internacional de acabar com a pobreza e outras mazelas sociais de forma permanente em todas as partes e não deixar ninguém para trás. ?

“Além de abordar os desafios do desenvolvimento sustentável com linguagem infantil, a iniciativa tem um papel importante no enfrentamento ao racismo, ao contar com um menino negro como protagonista, dentro de uma família negra feliz. O desenho traz para o centro da mensagem a redução das desigualdades sociais, o que coincide com o mandato do PNUD. O enfrentamento ao racismo passa também pelo reconhecimento e pela valorização das identidades negras brasileiras”, avaliou a oficial de gênero e raça do PNUD no Brasil, Ismália Afonso.

O primeiro vídeo da série tem como tema a música “Mãe Terra”, relacionada, especialmente, com o ODS 15 – Vida Terrestre. Acompanhe os vídeos no canal do YouTube.

Outras iniciativas

Para a ONU, o racismo é uma das principais causas históricas da situação de violência e letalidade a que a população negra está submetida. Nesse sentido, a “Hora do Blec” está alinhada com a campanha Vidas Negras, iniciativa da ONU Brasil pelo fim da violência contra jovens negros. A campanha é uma das iniciativas desenvolvidas no âmbito da Década Internacional de Afrodescendentes (2015-2024), um reconhecimento da comunidade internacional sobre os povos afrodescendentes, cujos direitos humanos precisam ser promovidos e protegidos.

Campanha Livres & Iguais promove ações virtuais sobre o Dia da Visibilidade Lésbica

Ativistas de movimentos lésbicos em todo o país juntam suas vozes neste 29 de agosto, Dia da Visibilidade Lésbica.

Criada em 1996, a data reforça questões que até hoje são vitais para as mulheres lésbicas em toda a sua diversidade, como a violência lesbofóbica, além dos obstáculos ao acesso a direitos e serviços essenciais em decorrência de discriminações de gênero, sexualidade e raça.

Essas questões se somam a desafios decorrentes do momento atual, de maior vulnerabilidade econômica pandemia e transformações nas formas de atuação e articulação de ativistas, coletivos e redes de mulheres lésbicas. Isso traz consequências diretas para a vida das mulheres lésbicas, como a deterioração da saúde mental, o aumento do desemprego e da violência, e os atritos familiares, entre outros fatores.

“As lésbicas enfrentam até hoje a discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de gênero de uma sociedade heteronormativa”, afirma Anastasia Divinskaya, representante da ONU Mulheres no Brasil e coordenadora do Grupo de Trabalho da ONU Brasil sobre Gênero, Raça e Etnia. Na última terça (25), em parceria com a União Europeia, a agência promoveu o debate virtual Mulheres Lésbicas na Defesa dos Direitos Humanos como parte do projeto Conectando Mulheres, Defendendo Direitos (clique aqui para assistir na íntegra).

A ativista Darlah Farias, do coletivo Sapato Preto, que trouxe a vivência e perspectivas de mulheres negras e lésbicas na região amazônica, pontuou em sua fala a importância das interseccionalidades dentro dos movimentos, destacando sobretudo as questões de classe e raça, quando “a resistência da mulher lésbica precisa ser três vezes maior”. Para Darlah, “nesse tempo de pandemia, a vulnerabilidade da população negra foi ainda mais exposta. As mulheres negras lésbicas estão em lares violentos, sofrendo muito mais devido ao isolamento.”

A ativista Iara Alves, da organização lésbica feminista de Brasília Coturno de Vênus, reforça que a violência contra a mulher lésbica começa dentro de casa. “Nós morremos por sermos nós mesmas. Lutamos enquanto ativistas, mas sabemos que é uma luta que por si só não atende a demanda. Precisamos estruturar a sociedade”.

O levantamento feito pela organização Gênero e Número com base em dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação, vinculado ao Ministério da Saúde) mostra que é nos lares e no meio familiar que as mulheres lésbicas mais sofrem pela sua orientação sexual. Segundo os dados de 2017, 61% dos casos de agressão sexual contra lésbicas ocorreu nas próprias residências, sendo que os homens aparecem como autores de 96% dessas violações. Esses dados são ainda mais alarmantes quando se olha para o número total de vítimas: foram 2.379 registros em 2017, o que equivale a 6 mulheres lésbicas violentadas sexualmente por dia no Brasil.

No contexto atual de Covid-19, essas mulheres acabam ficando ainda mais expostas a esses riscos, como destaca Domenica Bumma, Chefe da Seção Política, Econômica e de Informação da União Europeia no Brasil, “para as pessoas LGBTI o distanciamento social pode ser igualmente ainda mais difícil para aquelas que não são aceitas pelas suas famílias. Nenhuma pessoa deveria ser punida por um ato de amor.”

A união de ativistas em todo o país dá amplitude à essas questões urgentes, mas sem deixar de considerar as diversas individualidades existentes nos movimentos e os desafios inerentes a cada um deles, sobretudo quando se trata de grupos que sofrem com múltiplas formas de discriminação, como no caso das lésbicas negras, trans, periféricas, refugiadas, deficientes e indígenas, por exemplo. A representatividade é também um desafio para todas elas.

“O trabalho incansável das ativistas tem sido central para este impulso global, e as mulheres em todo o mundo continuam demonstrando o poder de muitas vozes que falam como uma só”, afirma Anastasia Divinskaya, da ONU Mulheres.

O que você gostaria de dizer para o mundo e para outras pessoas LBTs sobre ser lésbica no momento atual?

A campanha Livres & Iguais da ONU fez essa pergunta a diversas mulheres, entre ativistas, influenciadoras e artistas de todo o país. As respostas trazem um panorama dos desafios particulares, mas também mostram que há algo que todas buscam em comum: direitos.

 

Alexandra Gurgel, fundadora do Movimento Corpo Livre

“Ser uma mulher lésbica hoje em dia significa, de fato, resistir. É ir contra a sociedade heteronormativa, é fugir das regras sociais e existir enquanto mulher e lésbica. É criar narrativas e diálogos, é ser vista. Precisamos de referências, de entretenimento, conteúdo que fale da gente sem objetificação, sem o olhar masculino. Eu tenho orgulho hoje de ajudar a dar mais visibilidade para a causa.”

 

Lívia Ferreira, integrante da Coordenação Colegiada Nacional da Rede Sapatà, Coordenadora da UNALGBT-BA

“Enquanto mulher negra e lésbica, no Brasil hoje devemos nos empoderar e tomar espaços na política e investirmos na educação e cultura comunitária para que possamos sobreviver a este turbilhão de descasos para com toda nossa comunidade.”

 

Marta Almeida Filha, coordenadora colegiada da Rede Sapatà-PE, integra a coordenação do MNU-PE e é ativista da Coalizão Negra por Direitos

“Ser lésbica ou bissexual no momento atual é aprender a se reformular a cada dia, é aprender a transformar a dor na luta em ser feliz.”

 

Zélia Duncan, cantora e compositora

“Como artista eu senti o preconceito me rondar e apontar o dedo pra mim. Mas também achei um público que se identificou comigo e me ensinou a ter forças e merecer essa cumplicidade. Não foi um caminho fácil embora possa parecer e pra quem tá chegando agora, meu conselho é: procure seus iguais sem esquecer que o mundo todo também é seu. Ame ser você, aceite ajuda e estenda a mão. O resto é caminho.”

 

Leila Negalaize, integrante da coordenação colegiada nacional da Rede Sapatà e ativista pela coalizão negra por direitos

“Exercer nossa identidade lésbica, sendo uma mulher negra no Brasil, é acreditar que a resistência está em nos mantermos vivas, lutando por uma mudança profunda no sistema político e social. Para isto é preciso nos unirmos frente ao avanço da necropolítica mundial.”

 

Carol Duarte, atriz

“Hoje é um dia de celebrar as tantas conquistas que atualmente desfrutamos, e que devemos às muitas mulheres lésbicas que vieram antes de nós e que com coragem lutaram por respeito, representatividade e direitos. O amor de duas mulheres ainda desafia certas normas tacanhas, mas é sonhando com a certeza de um futuro em que o amor será só motivo de celebração que devemos seguir. As lésbicas e sapatonas feliz dia, viva o amor de duas mulheres! Citando Maya Angelou, ‘A verdade é que nenhum[a] de nós pode ser livre até que todos[as] sejam livre’.”

 

Melissa Navarro, integrante da associação lésbica feminista de Brasília Coturno de Vênus

“Muitas de nós estão sofrendo neste momento, pois a pandemia da COVID-19 evidenciou antigas vulnerabilidades que nos assolam em várias esferas e em vários níveis, como a violência intrafamiliar, a violência psicológica, e, uma das mais devastadoras, que é a expulsão de casa, do lar, do lugar que era para ser o porto seguro neste momento. Por isso, algumas dicas são importantes para a manutenção da nossa saúde mental e física. Mantenha-se em contato com sua rede de solidariedade, ligue para alguém que te escute, faça coisas de que goste e divirta-se, mesmo que sozinha. Procure as plataformas digitais que possam te dar um suporte emocional. Lembre-se, tudo isso vai passar e sairemos mais fortes e sapatônicas do que antes. Nós enquanto organização estamos fazendo algumas mobilizações em favor de direitos e de recursos (via parcerias e campanhas de arrecadação) para garantir minimamente, uma verba para algum gasto emergencial ou até mesmo uma cesta básica para alguma companheira. Aguente firme que em breve estaremos todas juntas e assim poderemos nos abraçar e trocar mais afetos para nos fortalecer em meio a esse mundo que insiste em nos invisibilizar.”

 

Karol Lannes, atriz

“Na contemporaneidade, o ato de ser já é se posicionar, e o ato de se posicionar por si só traz consequências. Vivemos em um contexto ditado por mídias sociais, em que fazer parte da comunidade LGBTQIA+ pode ser muito valoroso e muito crítico ao mesmo tempo. Quando eu realmente aceitei levantar a bandeira, como mulher lésbica, nas minhas redes sociais, sofri ataques inimagináveis, mas também encontrei propósito em dar a minha voz e visibilidade aos que mais precisavam. Defenda o direito de amar quem você ama, a esperança vem em saber que você não está sozinha, encontre sua voz, sua rede de apoio e seja segura de si, a autoconfiança condiciona o propósito para enfrentar o mundo.”

 

Iara Alves, integrante da associação lésbica feminista de Brasília Coturno de Vênus

“Nós, sapatonas negras, temos aquela força de viver e mover o mundo e quando a complexidade da vida se materializa em mais uma crise e nos põe a prova, enfrentamos e seguimos. A pandemia avassaladora de mentes, corpos e corações demonstra que sempre estivemos aqui “segurando às pontas”, servindo, limpando e cuidando. E continuamos: a acolher, nutrir, construir e pensar são as antigas novas formas de superar os desafios. E a gente vai, vai com dor, vulnerabilizada, marginalizada e vai. Tropeça, levanta e cai, pega na mão da sapatão e vai. Vivemos nesse eterno acreditar e confiar que o caminho é importante para o que o amanhã seja mais belo.”

 

Lara Lopes, moçambicana refugiada no Brasil

“Ser mulher, lésbica, negra e refugiada é um desafio diário porque você nunca sabe o que te espera. Eu tinha tudo para desistir: já fiquei sem lugar para dormir, sem o que comer, mas as dificuldades não são maiores do que tudo aquilo que eu consegui ultrapassar. Recomeçar do zero me fez uma pessoa mais forte e eu tenho muito orgulho de não ter desistido. Posso não saber tudo, mas hoje eu sei que tenho direitos e eu preciso que o mundo saiba quais são os meus direitos. Não busco mais aceitação, eu busco respeito.”

 

Lélia de Castro, poeta e produtora cultural

“Ser sapatão e produtora cultural neste momento é repensar as estratégias de conexões para propagação das produções, projetos e perspectivas sapatônicas, para que sejam visibilizadas e contratadas para suas manutenções e continuidades. estabelecer e fortalecer redes para apresentar narrativas que seguem a proposta de relatar que queremos viver, existir, ser quem somos, amar e sermos amadas. por mais lésbicas e sapatonas representando e apresentando seus trabalhos, projetos e sonhos nas mais diferentes redes. por mais ouvidos dispostos para nossas diversas e plurais vozes.”

 

Yone Lindgren, da Articulação Brasileira de Lésbicas

“O que eu tenho para falar hoje para as pessoas do mundo e para as pessoas LBTs sobre o que estamos vivendo agora, é que ser lésbica com 64 anos de idade, e 42 anos de movimento neste momento não tem sido legal. É muito triste ver todas as coisas que nós construímos serem desconstruídas e jogadas para escanteio por um desgoverno. Mas eu tenho fé, eu tenho fé em nós. Eu tenho fé na nossa força de luta e tenho fé de que estaremos juntas e juntes sempre pelo nosso direito de sermos respeitadas pelo que somos, nós não queremos aceitação, nós queremos respeito.”

 

Julianna Motter, pesquisadora e idealizadora da @VelcroChoque, projeto de intervenção urbana ciberativista sapatona

“Acredito que as lesbianidades só podem ser pensadas no plural e que devemos disputar outras formas de discursos e narrativas sobre os nossos corpos. Pra mim, a importância da visibilidade está lésbica está em reconhecer a importância dos caminhos já traçados, mas em tentar preencher os hiatos deixados no passado. Há 28 anos sou lésbica, me construí devagar enquanto fui aprendendo a me georeferenciar. Acho que a construção não para, com seus remendos, reboques e mudanças. É importante, pra mim, pensar sempre esse lugar das lesbianidades como a possibilidade de uma lente que nos ajude a vislumbrar um mundo melhor e lutar pra que ele aconteça. Ser sapatona é (re)construção.”

 

Ações virtuais promovidas pela ONU

https://www.tiktok.com/@karollannes/video/6865821276095679749

Além da live do dia 25, a Livres & Iguais irá compartilhar os relatos e experiências das mulheres lésbicas nos seus canais e plataformas nas redes sociais.

Também como parte das ações da Visibilidade Lésbica, dinâmicas interativas serão promovidas para engajar mulheres, usando formatos que têm feito sucesso nas redes sociais.

No TikTok a Livres & Iguais produziu o desafio do ‘Sim ou não’, inspirado no popular ‘Eu já, eu nunca’, no qual as garotas respondem a uma série de perguntas sobre si mesmas. O formato para jogar luz em perguntas relevante para a Visibilidade Lésbica, como assédio, preconceito, representatividade e aceitação. O pontapé inicial já foi dado pela atriz Karol Lannes, que postou o desafio em seu perfil pessoal — e convida todas a participarem.

Sobre a Livre & Iguais

A Livres & Iguais é uma iniciativa para a promoção da igualdade de direitos e tratamento justo de lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersexo (LGBTI).

Projeto do Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a campanha sensibiliza sobre a violência com base em orientação sexual, identidade e expressão de gênero e/ou características sexuais, e promove o respeito aos direitos de pessoas LGBTI em todos o mundo.

Anualmente, campanha engaja milhões de pessoas em todo o planeta em conversas que ajudam a promover o tratamento justo a pessoas LGBTI e a gerar apoio a medidas para proteger os seus direitos.

Para saber mais sobre a campanha, clique aqui.

A COVID-19 encontra no Brasil uma enorme desigualdade racial, afirmam especialistas

Série de lives “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 em tempos de crise e da pandemia COVID-19” é desenvolvida pela ONU Mulheres e o Comitê Mulheres Negras em parceria com o Canal Preto. Foto: ONU Mulheres

A pandemia da COVID-19 avança no Brasil e registrou, em 24 de agosto, mais de 3 milhões de diagnósticos de contágios e 114 mil óbitos, segundo monitoramento do Ministério da Saúde. De acordo com o IBGE, há um abismo racial no alcance da doença. No Brasil, os prejuízos financeiros e de saúde causados pela COVID-19 pesam muito mais sobre mulheres, negros e pobres: 39% dos trabalhadores e trabalhadoras pretas e pardas estão em regime de informalidade, ante 29,9% de brancos e brancas. Autônomos, autônomas e informais foram as pessoas que mais perderam renda na crise.

No debate virtual “Racismo e Economia: crise econômica, trabalho, emprego e renda”, uma das quatro lives da série “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 em tempos de crise e da pandemia COVID-19”, promovidas pelo Canal Preto e pela ONU Mulheres, o tema foi abordado pela pesquisadora Márcia Lima, a procuradora do Ministério Público do Trabalho Valdirene Assis e Mônica Oliveira, integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, com mediação da defensora dos Direitos das Mulheres Negras da ONU Mulheres Brasil Taís Araújo.

Efeitos nas relações de trabalho

“O vírus não é racista, mas a sociedade é. O que a COVID-19 encontra no Brasil? Uma enorme desigualdade racial no acesso à saúde, que produz uma enorme desigualdade no acesso ao tratamento e leva à desigualdade nos óbitos”, considerou a pesquisadora Márcia Lima, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e coordenadora do Afro-Núcleo de Pesquisa sobre Raça, Gênero e Justiça Racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Afro-CEBRAP). Ela coordena estudo sobre a pandemia COVID-19 com foco nas desigualdades raciais e de gênero.

Para a pesquisadora, “as mulheres negras estão enfrentando uma dupla vulnerabilidade: São vulneráveis tradicionais e fazem parte dos setores que ficaram mais vulneráveis durante a pandemia. Por exemplo, as mulheres negras no trabalho doméstico perderam as suas ocupações ou estão trabalhando em situação de vulnerabilidade”. Outro aspecto abordado sobre trabalho, emprego e renda na pandemia COVID-19 por Márcia Lima e outros pesquisadores é sobre o perfil de quem faz teletrabalho no país.

“Uma outra ponte disso é quem conseguiu migrar para o home office. A população branca que migrou é o dobro da população negra: 6,6 para negros; 14% dos negros. 40% são pessoas com nível superior. Nas clivagens de raça e gênero, vemos que quem conseguiu manter 100% do salário ou montar uma estrutura de trabalho em casa em desigualdade racial e de gênero. Quem está se beneficiando de home office são as pessoas mais escolarizadas”, disse Márcia Lima na live.

Defesa de direitos na pandemia

Representando o Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, Mônica Oliveira destacou o controle social exercido pela sociedade civil em relação às políticas públicas e programas sociais. Frisou que a pandemia da COVID-19 trouxe à tona problemas crônicos decorrentes das desigualdades raciais e de gênero.

“A incidência nas políticas públicas é fundamental. Ela se materializou pela demanda da renda básica emergencial. Estamos numa luta para que permaneça o programa de renda básica emergencial. A renda básica é uma agenda de muitos anos. Fazemos incidência nos serviços de saúde sobre os critérios de quem tem acesso a respirador, UTI. Uma exigência que fazemos como movimento de mulheres negras é fila única para UTI, porque, quando começam a fazer as escolhas, somos nós, quem perdemos sempre. Fazemos também uma incidência de proteção à população de rua. Na demanda por ficar em casa, a população de rua fica onde? Em que casa? Não tem casa”.

Para a ativista, a retomada da gestão da vida pelas mulheres negras é atravessada por fatores que as medidas adotadas pelo poder público estão distantes da realidade enfrentada pelas mulheres negras. “Quando a gente fala de recomeço, o que está sendo visto é que as estratégias de retomada e de reabertura das atividades não estão seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde. As ocupações mais vulneráveis têm maioria de mulheres negras”.

Direitos trabalhistas

A procuradora do Trabalho Valdirene Assis, da Coordenadoria de Promoção à Igualdade do Ministério Público do Trabalho e coordenadora do Projeto Nacional de Inclusão de Jovens Negras e Negros do MPT, destacou sobre a prevalência do racismo nas exclusões enfrentadas pela população negra no mundo do trabalho.

“Quando a gente pensa na demografia brasileira, maioria negra, e mulheres negras, este é um elemento fundamental para considerar para o Estado e pessoas preocupadas com direitos humanos e fundamentais no Brasil. Neste momento, assegurar que mulheres grávidas e lactantes tenham direito ao afastamento do trabalho. Trabalhadoras domésticas tenham condição digna e justiça. Hoje, no MPT, há grupo sobre a valorização do trabalho doméstico. Esta parcela é de 80% representada por mulheres e 60% delas, por mulheres negras. Uma categoria profissional muito exposta a riscos, porque transita pela cidade e não pode se proteger do isolamento, faz uso do transporte coletivo”.

A procuradora acrescentou que as ações afirmativas são decisivas para enfrentar o quadro de exclusão e de vulnerabilidade enfrentado pela população negra historicamente e acentuado pela pandemia da COVID-19. “Pensando em proteção dos direitos das mulheres negras tem uma abordagem que precisa ser considerada na perspectiva das ações afirmativas. Não dá para enfrentar esse processo crônico e agudo de discriminação e exclusão sem políticas concretas e efetivas e tendentes a beneficiar esse público de forma direta”.

Vozes das mulheres negras 

As lives “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030” em tempos de crise e da pandemia da COVID-19” fazem parte da estratégia de comunicação e advocacy da ONU Mulheres e do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, composto por entidades organizadoras da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, que completa 5 anos, em novembro de 2020.

As lives foram desenvolvidas por meio da parceria com o Canal Preto, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho, Organização Internacional do Trabalho, ONU Mulheres e Cáritas Brasileira.

No diálogo com a ONU Mulheres, o movimento de mulheres negras tem colaborado para fazer avançar a mobilização em torno da incorporação de gênero e raça em agendas internacionais dos Estados-membro da ONU. Entre elas, estão a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, composta por 17 objetivos globais e o princípio de não deixar ninguém para trás do desenvolvimento. Outra agenda importante é a Década Internacional de Afrodescendentes, criada pelos Estados-membros da ONU e com prazo de execução até 2024.

Crianças e jovens brasileiros são vítimas invisíveis das desigualdades no acesso a saneamento

Meninas lavam as mãos em Roraima. Foto: UNICEF/Yareidy Rivas
Meninas lavam as mãos em Roraima. Foto: UNICEF/Yareidy Rivas

Imagine que você está em uma escola e quer aproveitar o intervalo para ir ao banheiro. Nesse momento, em vez de um toalete com descarga e uma pia, você encontra um banheiro seco, sem descarga (ou um buraco no chão), e nenhum lugar para lavar as mãos. E tampouco há álcool gel disponível. Como você se sentiria?

Em todo o Brasil, 39% das escolas não têm infraestrutura para lavagem das mãos, segundo o Programa Conjunto de Monitoramento para Saneamento e Higiene (JMP) da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

Um novo estudo de UNICEF, Banco Mundial e Instituto Internacional de Águas de Estocolmo (SIWI) mostra que crianças e adolescentes estão entre as vítimas invisíveis da falta de investimentos em saneamento no país. Para os estudantes de escolas públicas, a situação é mais alarmante, já que as instituições privadas contam com mais do dobro da cobertura desses serviços.

E, no Norte do país, as disparidades são ainda maiores. Apenas 19% das escolas públicas do Amazonas têm acesso ao abastecimento de água, ao passo que a média nacional é de 68%. Em relação ao esgotamento sanitário, a situação é crítica: no Acre, por exemplo, apenas 9% das escolas públicas têm acesso à rede pública de esgoto; em Rondônia, 6%; no Amapá, só 5%.

Também no grupo dos principais prejudicados pela falta de saneamento estão os povos indígenas, bem como os moradores das favelas — onde as mulheres são maioria — e das zonas rurais. Para eles, é difícil seguir uma das recomendações mais básicas contra a propagação da COVID-19 e outras doenças: lavar bem as mãos com água e sabão.

Casa sem banheiro

Dados do JMP indicam que 15 milhões de brasileiros moradores de áreas urbanas não têm acesso a água segura: potável, protegida de contaminação externa e disponível em casa. Em áreas rurais, 25 milhões gozam apenas de acesso básico à água de fontes seguras, mas longe de suas residências.

É assim, por exemplo, na comunidade quilombola de Conceição, em Bequimão (Maranhão), onde vive Aldenice Melo, 16 anos. “A água do poço que abastece a comunidade não é das melhores. É salobra. Para beber, os moradores têm que buscar água em um povoado vizinho”, ela conta.

Quando se trata de esgoto, mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a instalações sanitárias adequadas, não compartilhadas com outras moradias, com esgoto coletado e tratado de forma segura. Desse total, 2,3 milhões ainda defecam a céu aberto.

“Onde eu moro, nem todas as casas têm banheiro, só uma minoria. Por não haver esgotamento sanitário, costuma-se usar as fossas, que contaminam o solo”, relata Isabele Silva, 17 anos, de Itaberaba (BA).

“É muito complicado viver com esgoto na sua porta e sem uma gota de água na sua bica”, completa Thais Matozo, de 20 anos, moradora da comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro (RJ).

Provedores sem recursos

Segundo o novo estudo do UNICEF, Banco Mundial e SIWI, a pandemia de COVID-19 exacerbou todas as desigualdades brasileiras no acesso a água e esgoto, e deixou ainda mais sufocado um setor que já registrava déficit nos investimentos.

O Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) estima que o Brasil precisaria de investimentos de cerca de R$ 26 bilhões ao ano (cerca de 0,4% do PIB) nos próximos 13 anos para elevar a 99% o acesso ao abastecimento de água e a 92% a cobertura de rede de esgotos até 2033. Nas últimas duas décadas, no entanto, o país investiu apenas R$ 12 bilhões por ano, menos da metade do necessário. Além disso, o investimento é desigual e se concentra principalmente nas regiões Sudeste e Sul.

O documento também mapeia algumas ações do setor em resposta à crise causada pelo COVID-19. Por exemplo, a maioria das companhias de água deixou de cortar os serviços para clientes que não consigam pagar a conta e não cobrou o pagamento de contas de famílias pobres, enquanto outras uniram forças com os municípios para manter os espaços públicos desinfetados. Em algumas áreas metropolitanas, as companhias ajudaram a construir lavatórios públicos.

“E, na região Norte, estão colaborando com organizações humanitárias (por exemplo, ONU e ONGs) para oferecer estruturas de higienização em abrigos para migrantes e refugiados, assentamentos espontâneos e espaços públicos. Vários desses lavatórios são abastecidos com caminhões-pipa de forma a garantir um volume suficiente de água potável”, descreve o estudo.

Seria necessário fazer muito mais, mas a pandemia levou a uma queda nas receitas desses fornecedores, já que há menos gente pagando a conta e um rápido aumento das responsabilidades. “Alguns dados indicam reduções de até 70% nas receitas dessas empresas nas primeiras semanas da pandemia, o que indica que o ônus econômico de seus passivos financeiros pode atingir níveis insustentáveis”, diz o relatório. Com isso, as companhias podem enfrentar mais dificuldades em manter os padrões dos serviços prestados à população.

Para assegurar que os serviços de saneamento continuem a chegar aos mais vulneráveis, o estudo faz uma série de recomendações. Uma das principais é a criação de pacotes de assistência financeira para os provedores de serviços de água e esgoto implementarem planos de contingência e recuperação, com base em metas de desempenho claras.

A nota técnica do UNICEF, Banco Mundial e SIWI também recomenda uma maior cooperação entre os setores de saneamento, saúde e educação do governo. Finalmente, aconselha a coleta de dados confiáveis para embasar a criação de melhores políticas públicas, em especial levando em conta os aprendizados obtidos com a pandemia.