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A sinfonia dos preços, por José Graziano da Silva

Artigo do Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), José Graziano da Silva.(*)

O ano de 2012 pode ser visto como um mirante do horizonte climático com o qual a humanidade terá que conviver no século XXI. A ocorrência de eventos extremos foi numerosa, simultânea e diversificada. Da seca inclemente às inundações devastadoras. Tudo ao mesmo tempo e com igual intensidade.

O junho mais quente desde 1985 ressecou o meio-oeste americano, atingindo em cheio um dos principais celeiros da oferta mundial de milho. Índice de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) de julho de 2012 subiu 12 pontos para 213 pontos, uma alta de 6% sobre o mês anterior. O desastre alimentar parecia inevitável.

A densa moldura de sobressaltos naturais, no entanto, não impediu que o índice de preços fechasse 2012 em 209 pontos mantendo-se ao longo do ano 7% abaixo do patamar de 2011.

Entender por que os preços não explodiram como em 2007/08 e 2010 passa a ser tão importante no curto e médio prazo, quanto o são no longo prazo as providências sistêmicas para reverter as causas da exacerbação do clima em nosso tempo.

A dança das cotações frequentemente mais confunde do que elucida. Não raro ecoa como a melodia desconcertante do piano que toca sozinho.

Trata-se de criar um ambiente propício à disseminação do ingrediente decisivo: a expansão da produtividade, que adiciona renda ao produtor, barateia o custo do alimento e preserva os recursos naturais colhendo mais no mesmo chão.

Governança, estoques, políticas de fomento ao plantio e à produtividade, compõem as ferramentas que podem devolver o controle da batuta à sociedade.

O que aconteceu após a pior seca em 50 anos no meio oeste americano é ilustrativo.

Num primeiro momento, o piano tocou sozinho.

O trigo e a soja endossaram a alta do milho, como sucedâneos na cadeia da alimentação animal. Ademais, a triticultura russa, a australiana e a argentina também sofreram com estiagens drásticas, em mais um alerta da natureza.

Se nada fosse feito, o pânico deflagraria os embargos defensivos e a corrida antecipada às compras. Uma partitura clássica do piano que assombra o mundo.

Esse foi o batismo de fogo do Sistema de Monitoramento de Preços Agrícolas (AMIS, na sigla em inglês), inaugurado em 2011 pelo G-20. A sensatez evocada pela coordenação internacional abortou o pânico e exorcizou os apetites altistas.

A troca de informações organizada pela FAO como secretária do AMIS provou a sua relevância. Se não pode evitar secas ou inundações, a coordenação ajuda a evitar que elas deflagrem crise. Boas safras no hemisfério Sul também contribuíram no contrapeso à espiral altista.

Resultado: todos os grupos de alimentos monitorados pela FAO perderam fôlego desde o segundo semestre. O alívio, porém, não autoriza abrir a guarda.

A inflação doméstica cresce por pressão dos preços dos alimentos. Nos mercados internacionais, a volatilidade continua à solta e há de reconhecer-se que o refluxo dos preços decorre também de uma convergência não propriamente virtuosa: falta demanda à economia mundial.

Ela carrega há cinco anos o fardo da maior crise sistêmica desde 1929. A Europa vive seu segundo tombo recessivo; o Japão patina em deflação; o desemprego ainda é alto e o impasse fiscal engessa os EUA; o motor chinês desacelerou.

Com tudo isso, o nível médio das cotações ainda persiste alto.

Quando a música errática soa, o pé de ferro da história espreme o orçamento dos pobres de todo o mundo; eles destinam 75% da renda à alimentação.

No continente africano, fome e conflitos se realimentam, calcificando a dependência alimentar em uma das fronteiras mais promissoras da agricultura do século XXI. Dentes dessa engrenagem mastigam 275 milhões de subnutridos no Oriente Médio e na África do Norte – 83 milhões mais do que há 20 anos.

Reverter a dança macabra implica subtrair espaços às incertezas que dedilham as teclas do piano fantasmagórico.

Um dos nomes do chão firme é investimento agrícola. Não por acaso, ele foi definido como a viga mestra da edição de 2012 do relatório da FAO, “O Estado da Agricultura e da Alimentação no Mundo”.

Destravar a imensa capacidade produtiva desperdiçada na agricultura familiar é um dos imperativos.

Cerca de 450 milhões de agricultores, 85% do total, são pequenos produtores cuja única tecnologia é a força muscular. Fomentar a sua produtividade elevaria a oferta a ponto de silenciar em larga medida a música sombria, ademais de criar um escudo de diversidade geográfica às alterações extremas do clima.

Para isso, a segurança alimentar não pode mais ficar a mercê de partituras isoladas. Desafios globais exigem coordenação global: essa foi a lição incontrastável do ano que passou.

O voluntarismo que acredita ser suficiente dar liberdade à oferta para saciar a demanda esbarra na reafirmação do contrário ali onde menos se espera.

O espaço rural é o cenário desconcertante onde a fome mais aguda perfila ao lado da abundância mais contundente. A América Latina é o exemplo arrematado dessa contradição. Em 20 anos de apogeu das exportações agrícolas, a pobreza rural exibiu um recuo pífio na região: de 60%, em 1980, caiu para 53% em 2010, segundo dados das Nações Unidas.

Ao exortar a mobilização de um novo ciclo de investimentos o que a FAO projeta, portanto, é uma convergência de iniciativas públicas e privadas que façam da riqueza adicionada pela agricultura um pilar efetivo da travessia entre a privação e a segurança alimentar. Um ciclo de investimento como esse implica mais que a mera acumulação física de capital.

Trata-se de criar um ambiente propício à disseminação do ingrediente decisivo desse mutirão: a expansão da produtividade, que adiciona renda ao produtor, barateia o custo do alimento e preserva os recursos naturais colhendo mais no mesmo chão.

Essa é a sinfonia capaz de abafar o som do piano desordenado.

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(*) Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico no dia 16 de janeiro de 2013.

Segurança alimentar na América Latina e Caribe

Por José Graziano da Silva (*)

Erradicar a fome é um desafio em todos os cantos do planeta. E a América Latina e Caribe é a região em desenvolvimento em melhor condições de fazê-lo, superando o paradoxo de ser uma das maiores produtoras de alimentos do mundo e conviver com mais de 50 milhões de subnutridos.

Este será um dos temas em discussão nos próximos dias em Buenos Aires, durante a 32ª Conferência Regional da FAO para a América Latina e o Caribe, reunião ministerial que ajuda a definir as ações da organização em nível mundial e definir suas prioridades de trabalho na região.

A conferência aproxima a FAO dos países da região e garante que o trabalho da organização atenda às suas necessidades. É um exercício que se repete em diferentes regiões do mundo. Em meados de março, foi realizada no Vietnã a Conferência Regional para a Ásia e o Pacífico. Nessa reunião, que contou com a participação de 39 países, ficou clara a necessidade de estratégias regionais de arroz e aquicultura e de apoiar as pequenas ilhas do Pacífico na criação e fortalecimento dos circuitos locais de produção e consumo vinculados ao turismo.

O potencial da cooperação Sul-Sul para enfrentar os desafios, somada à vontade dos países em compartilhar seus conhecimentos, foi outra notável conclusão da conferência asiática e que tem grande potencial também na América Latina e Caribe.

Brasil e Argentina, entre outros países, possuem conhecimentos na área de agricultura tropical que pode ajudar o desenvolvimento de outros países da região e do mundo. No caso brasileiro, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – pelo domínio tecnológico – e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) – por ser a cara da nossa cooperação externa – são atores fundamentais e precisam ter estrutura, institucionalidade e recursos adequados à contribuição que o Brasil pode e quer dar a nível mundial.

Da conferência em Buenos Aires, espera-se sair com prioridades claras para o trabalho da FAO na região e reafirmar o nosso compromisso conjunto para a erradicação da fome.

Isso não só é compatível com o desenvolvimento econômico, a gestão sustentável dos recursos naturais e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, mas também é uma contribuição para atingir esses objetivos.

Há uma grande convergência entre as agendas de mudanças climáticas e segurança alimentar: ambas exigem mudanças significativas no sentido de padrões mais sustentáveis de produção e consumo. Há poucos meses da Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), temos a oportunidade e a necessidade de explorar essa convergência, que oferece a possibilidade de um novo caminho de desenvolvimento mais sustentável, inclusivo e que contribua na redução da desigualdade na América Latina e no Caribe.

Essa desigualdade se deve principalmente à concentração de renda e dos meios de produção. Por exemplo, a América Latina e Caribe é a região mais desigual do planeta em relação ao acesso à terra.

A insegurança alimentar é uma das manifestações da nossa desigualdade: a causa da fome na América Latina e no Caribe é a incapacidade dos pobres de comprar a comida de que necessitam. É um problema de acesso, esse é o nosso calcanhar de Aquiles.

Para resolver o problema, é necessária uma abordagem em âmbito social, econômico e produtivo. É essencial melhorar o acesso dos pobres em todos os sentidos: acesso a melhores empregos e renda; acesso a oportunidades; à terra e água.

As crises recentes recordam a vulnerabilidade que a região ainda tem: a inclusão social ainda depende, em grande parte, do crescimento econômico. No entanto, vários países conseguiram proteger a população vulnerável usando programas de transferência de renda e outras estratégicas de proteção social e incentivos econômicos e produtivos.

Esses programas são especialmente importantes nas áreas rurais, onde cerca de metade da população regional que vive em situação de pobreza extrema está localizada. Muitos são pequenos agricultores sem acesso a recursos naturais e apoio produtivo.

Apoiar esses agricultores familiares traz um duplo benefício. O setor representa uma das populações mais vulneráveis à fome mas, apesar da sua situação precária, é responsável por produzir a maior parte do alimento consumido na região.

Apesar de desempenhar importante papel, o setor ainda tem um grande potencial a ser desenvolvido. Os benefícios podem ser multiplicados se a agricultura familiar for vinculada a programas de transferência de renda, ao fortalecimento de mercados locais e também à alimentação escolar.

Não existem receitas mágicas para garantir o direito à alimentação, mas acabar com a fome não é tão difícil ou caro quanto mandar alguém à Lua. Erradicar a fome é uma meta possível, mas exige o compromisso de toda a sociedade e ações nos níveis nacional e internacional. A FAO está pronta para contribuir para esse objetivo, apoiando os países em seus esforços. Espero que a Conferência Regional em Buenos Aires dê um passo a mais, decidido, nessa direção.

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(*) José Graziano da Silva é Diretor-Geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Artigo publicado no jornal ‘Valor Econômico’ dia 29 de março de 2012.

Candidatos à direção da FAO definem agendas

Os seis candidatos nomeados para o cargo de Diretor Geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) definem nesta quinta-feira (13/04) suas propostas de programas e projetos, na sede da agência em Roma (Itália).

A escolha do novo Diretor Geral, que vai suceder Jacques Diouf no final deste ano, será feita em uma conferência com os 191 Membros da FAO, de 25 de junho a 2 de julho, também em Roma. O próximo chefe – o sétimo desde a criação da FAO, em 1945 – cumprirá o mandato desde janeiro de 2012 até 31 de julho de 2015, e poderá ser reeleito para um mandato de mais quatro anos.

Entre os candidatos está o brasileiro José Graziano da Silva, atual Assistente do Diretor Geral da FAO e Representante Regional para a América Latina e o Caribe. Ele também foi coordenador do Programa Fome Zero durante o governo do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Os outros candidatos ao cargo da FAO são: Franz Fischler (Áustria), Indroyono Soesilo (Indonésia),Mohammad Saeid Noori Naeini (Irã), Abdul Latif Rashid (Iraque) e Miguel Ángel Moratinos Cuyaubé (Espanha).

Relatório traz informações sobre contaminação de alimentos no Japão

Em um documento conjunto, lançado hoje (23/03) para responder a “algumas das crescentes preocupações internacionais sobre a segurança dos alimentos produzidos no Japão”, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmaram que, apesar de haver indícios de contaminação de alguns alimentos produzidos no Japão, não há relatos de contaminação destes alimentos em outros países.

De acordo com as agências, a radioatividade da usina nuclear Fukushima Daiichi, atingida pelo recente terremoto e tsunami, foi detectada em alguns vegetais e no leite, com nível de iodo radioativo acima dos limites regulamentados do país, e com menores concentrações de césio.

Se ingerido, o iodo radioativo pode se acumular no corpo, aumentando o risco de câncer na tireóide, especialmente em crianças. Tomar iodeto de potássio é um método usado para prevenir o acúmulo de iodo radioativo na tireóide. A ingestão de alimentos contaminados com césio radioativo também pode ter efeitos danosos à saúde. Ele pode ficar retido no ambiente por muitos anos, apresentando um risco para a produção de alimentos, e ameaçando a saúde humana. “A situação tem de ser cuidadosamente monitorada”, disseram as agências.

Entre os conselhos dados aos consumidores e produtores de alimento estão a proteção de alimentos e animais que ficam a céu aberto através do uso de lonas de plástico impermeáveis; o fechamento da ventilação em estufas e realização da colheita de culturas antes de serem registradas precipitações. As agências também recomendaram às pessoas que evitem o consumo de leite, vegetais e peixes nas áreas mais atingidas pela contaminação.

Integração de culturas de alimentos e energéticas pode reduzir pobreza

Uso da lama de biogás como fertilizante em cultura de arroz na China.Sistemas agrícolas que combinam culturas que possam ser usadas para produzir alimentos e combustíveis podem ajudar a reduzir a pobreza e impulsionar a segurança alimentar e energética, segundo novo relatório publicado hoje (17/02) pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Intitulado “Fazendo Sistemas Integrados de Alimentos e Energia (IFES) Trabalharem pelas Pessoas e pelo Clima – Uma Visão Geral”, o estudo utiliza exemplos específicos da África, da Ásia e da América Latina, bem como de alguns países desenvolvidos, para mostrar como sistemas integrados de culturas alimentares e de energia podem ser bem sucedidos.

Esses sistemas oferecem inúmeros benefícios para as comunidades rurais pobres, de acordo com o Diretor-Geral Assistente para Recursos Naturais da FAO, Alexander Müller. “Por exemplo, agricultores pobres podem usar sobras de cultivos de arroz para a produção de bioenergia, ou, em um sistema agroflorestal, podem usar restos de árvores de cultivo, como frutas, coco ou grãos de café, para cozinhar,” ele disse, lembrando que outros tipos de sistemas de energia e alimentos usam derivados de animais para a produção de biogás.

Ele acrescenta que, com estes sistemas integrados, produtores podem economizar dinheiro, porque não necessitam comprar combustíveis fósseis caros, nem fertilizantes químicos, se usarem a lama resultante da produção do biogás. “Eles podem usar as economias para comprar insumos necessários para aumentar a produtividade agrícola, como sementes adaptadas às novas condições climáticas – fator importante, dado que um aumento significativo na produção de alimentos nas próximas décadas terá de ser alcançado no âmbito das mudanças climáticas,” afirma Müller.

A FAO apontou também várias outras vantagens proporcionadas pelos sistemas integrados. Eles são benéficos para as mulheres, que podem eliminar a necessidade de deixar suas plantações para buscar lenha. As mulheres nos países em desenvolvimento também têm riscos de saúde reduzidos significativamente através da redução do uso de combustíveis tradicionais de madeira e equipamentos de cozinha. Cerca de 1,9 milhão de pessoas no mundo morre a cada ano devido à exposição à fumaça de fogões de cozinha.

A integração da produção de alimentos e energia também pode ser uma abordagem eficaz para atenuar as alterações climáticas, especialmente as emissões decorrentes de mudanças no uso da terra. “Ao combinar a produção de alimentos e energia, os IFES reduzem a probabilidade de a terra ser convertida da produção de alimentos para a de energia, já que se necessita de menos terra para produzir alimentos e energia,” afirmou a FAO, acrescentando que ter um sistema integrado conduz ao aumento da produtividade da terra e da água, reduzindo assim as emissões de gases de efeito estufa e aumento da segurança alimentar.

Um IFES agroflorestal está sendo implantado em larga escala na República Democrática do Congo (RDC), cuja renda, para cada agricultor, é estimada em nove mil dolares por ano, ou 750 por mês. Em comparação, um motorista de táxi em Kinshasa, capital do país, ganha entre 100 e 200 dólares por mês.