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Artistas do mundo todo unem-se em campanha da UNESCO contra o racismo

Campanha Unidos contra o Racismo reuniu artistas de todo o mundo. Foto: Reprodução
Campanha Unidos contra o Racismo reuniu artistas de todo o mundo. Foto: Reprodução

Diante das crescentes manifestações de racismo no mundo todo, personalidades se uniram à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em um vídeo para a campanha Unidos Contra o Racismo, lançado no início do mês (6). O cantor e compositor brasileiro Gilberto Gil está entre os artistas participantes.

Ao lado da diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay, o filme em preto e branco de 2 minutos e 41 segundos apresenta mensagens de personalidades do cinema, da mídia, da música, do esporte e da ciência

Participam Charlotte Gainsbourg, Freida Pinto e Naomi Campbell; os embaixadores de boa vontade da UNESCO Jean-Michel Jarre, Jorge Ramos, Sumaya bint Al Hassan, Bobi Wine, Herbie Hancock e Forest Whitaker; os artistas pela paz da UNESCO Marcus Miller, Yalitza Aparicio, Rossy de Palma e Gilberto Gil; os campeões pela educação de mulheres e meninas da UNESCO Nadia Nadim, Amadou Gallo Fall e Ada Hegerberg.

A UNESCO está na vanguarda da luta contra o racismo desde sua criação em 1945. Em 1978, adotou a Declaração sobre Raça e Preconceito Racial, que reafirma que “todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e têm a mesma origem. Nascem iguais em dignidade e direitos, e todos formam parte integrante da humanidade”.

Saiba mais sobre o trabalho da UNESCO no combate ao racismo e a exclusão no Brasil nas áreas de:

Mais sobre o trabalho da UNESCO para combater o racismo e a exclusão no mundo (em inglês).

ONU lembra lutas antirracistas e feministas no Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

Em 1992, grupos femininos negros de 32 países da América Latina e do Caribe se reuniram em Santo Domingo, na República Dominicana, para denunciar opressões e debater soluções na luta contra o racismo e o sexismo.

Esse encontro ficou marcado na história e foi reconhecido pela ONU como o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e da Diáspora, celebrado em 25 de julho.

Passados 28 anos dessa reunião, e também no contexto do 5º aniversário da Década Internacional dos Afrodescendentes, é preciso relembrar a história de luta e conquistas dessas mulheres, mas também jogar luz nos desafios que elas enfrentam até hoje como resultado de séculos de discriminação, opressão e desigualdade social.

“Precisamos afirmar ao mundo que é urgente e necessária uma nova ordem”, diz Valdecir
Nascimento, do Instituto Odara da Mulher Negra, em Salvador (BA). “Ninguém acredita que as
mulheres negras podem pensar em uma estratégia de transformação do mundo, pois as
pessoas continuam com uma narrativa e um imaginário da negra como coitada, como alguém
sem instrução.”

“Essa é uma lógica de negação que não cabe mais, e o nosso desafio é convencer as cabeças e os corpos de quem tem privilégios que não é possível sustentar isso para a eternidade.”

Dados divulgados este ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram como ainda é grande o abismo que separa mulheres negras de outras camadas da sociedade no acesso a serviços básicos e oportunidades no Brasil.

Os números de 2019 revelam, por exemplo, que as mulheres negras têm uma média salarial 56% menor que a de homens brancos – 3.138 reais para eles e 1.394 reais para elas. Além disso, os lares chefiados exclusivamente por mães solo e negras estão entre os mais vulneráveis: 13,9% não possui abastecimento de água e mais de 40% está sem tratamento de
esgoto.

Em pelos menos 11% desses lares há um adensamento excessivo dentro das casas. Essa situação é particularmente alarmante no contexto atual de pandemia da COVID-19, em que higiene e distanciamento físico são imprescindíveis para a prevenção do contágio.

“Estamos vivendo um momento importante, no qual enfrentamos uma emergência sanitária sem precedentes”, diz Dominique Day, vice-presidente do Grupo de Trabalho da ONU sobre Afrodescendentes. “O que as mulheres negras exigem é nada além de justiça social, justiça racial e igualdade de oportunidades e qualidade de vida para si, para seus filhos, suas comunidades”.

Assim como os dados sobre a disseminação do vírus da COVID-19 no país, os números da violência doméstica nesse período também podem estar subnotificados.

Diante disso, diversas organizações e o governo federal têm lançado campanhas sistemáticas de conscientização, enfatizando os canais de apoio — como o Ligue 180, a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência.

Segundo dados do governo, em abril deste ano, no ápice do período de distanciamento social, a central registrou um aumento de 35,9% no relato de casos de violência contra mulher, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Além de serem as mais afetadas nos casos de agressão doméstica, mulheres negras também estão mais suscetíveis a sofrer outros tipos de violência: segundo o Atlas da Violência 2019, 60% de todas as mulheres assassinadas no Brasil eram negras.

“Nesse momento em que as pessoas estão falando sobre como realmente desmantelar o racismo sistêmico, temos que pensar nas intersecções que ocasionam a misoginia, a homofobia e todo tipo de vulnerabilidade em nossas vidas”, afirma Dominique Day.

Para que essas mudanças ocorram, é preciso empoderar mulheres negras como tomadoras de
decisão na sociedade, de modo que elas deixem de ocupar apenas o campo de beneficiárias de políticas públicas e ocupem também o campo da articulação — algo que ainda está longe de se refletir nos números.

O relatório Dívidas de Igualdade, publicado em 2018 pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), mostra que em alguns países da região o índice de representatividade de mulheres afrodescendentes entre os legisladores dos parlamentos nacionais não chega a 1% em países como Colômbia, Costa Rica e Uruguai e Venezuela. Os números também são extremamente baixos em Brasil (1,3%), Peru (2,3%) e Equador (3,6%).

Para Valdecir Nascimento, não existe mais espaço para a omissão. “É hora de quem acredita e
apoia os direitos humanos caminhar junto com as mulheres negras, porque aí sim poderemos
dizer que estamos construindo um ‘novo normal’ de fato”, conclui.

Valdecir Nascimento, do Instituto Odara da Mulher Negra, em Salvador (BA). Foto: Instituto Odara da Mulher Negra
Valdecir Nascimento, do Instituto Odara da Mulher Negra, em Salvador (BA). Foto: Instituto Odara da Mulher Negra

“Acho importante o movimento da ONU em nossa direção porque tem sido um veículo estratégico para fazer ecoar nossas vozes, de nos colocar na cena. Isso é muito importante e precisamos que todos os setores da sociedade se engajem da mesma forma.”

“Como diz a (professora e filósofa norte-americana) Angela Davis, quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela.”

O coordenador-residente da ONU no Brasil, Niky Fabiancic, reforça que as mulheres afro latino-americanas, caribenhas e da diáspora são a chave para pensarmos novos sentidos para democracia, igualdade e justiça social.

“Reconhecer que nossas sociedades têm deixado mulheres negras para trás é um passo indispensável para que possamos tomar medidas práticas para combater o racismo e o sexismo”, afirma Fabiancic.

“A pandemia de COVID-19 deixou ainda mais clara a urgência de garantirmos que os esforços pelo desenvolvimento sejam inclusivos; não podemos construir um mundo mais justo, seguro e sustentável sem igualdade de oportunidades para todas e todos, principalmente quem está em situação vulnerável, como as mulheres negras.”

Adotado oficialmente no Brasil desde 2014, o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e da Diáspora marca também uma homenagem a Tereza de Banguela, líder quilombola no século 18 e exemplo de luta, força e resistência da mulher negra contra a escravização e a opressão.

Atuação das Nações Unidas

Durante o mês de julho, a ONU Mulheres Brasil está realizando quatro ações de comunicação e advocacy, alusivas ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e da Diáspora.

A primeira se refere à visibilidade das vozes das mulheres quilombolas sobre o impacto da pandemia de COVID-19 nas comunidades quilombolas, considerando as mais de 5 mil identificadas em mais de 1,6 mil municípios, incluindo cards para as redes sociais com a participação de dez lideranças, das cinco regiões do país.

As quilombolas foram integradas à ação digital #VozesDasMulheresSobreCovid19, realizada pela ONU Mulheres desde abril.

Para Kátia Penha, da comunidade Divino Espírito Santo, do Espírito Santo, há uma mistura de
sentimentos decorrentes da pandemia: sensibilidade, medo e angústia.

“A pandemia escancarou o racismo. As pessoas têm medo dos alimentos que produzimos. Estamos na invisibilidade. Além do mais, apoiamos as famílias. Mas, aqui, onde vivo, são 200 famílias. Não há como monitorar. Outro problema é a perda do ano letivo. Muitas crianças estão sem estudar”, conta.

A segunda iniciativa está integrada à implementação da estratégia de comunicação e advocacy
Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, desenvolvida pela ONU Mulheres e entidades nacionais organizadoras da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver.

Desde 2017, o diálogo com a sociedade civil é mantido acerca das respostas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e da Década Internacional de Afrodescendentes à situação de exclusão das mulheres negras.

As 11 integrantes do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 participam de ação digital, destacando o enfrentamento do racismo e do sexismo como decisivo na resposta do Brasil à pandemia e discutindo as ações necessários para sustentar o recomeço das vidas das mulheres negras no chamado “novo normal”.

“A sociedade brasileira não pode escolher sacrificar as mulheres negras nesse grave quadro de violência e violação dos direitos face ao impacto da pandemia no país. Queremos viver em um país democrático com direitos e dignidade. A solução das crises e da pandemia no Brasil passa pela garantia de vida digna para as mulheres negras”, salienta Lúcia Xavier, da ONG Criola e integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030.

A terceira medida de visibilidade das mulheres negras é por meio de vídeos da vice-presidenta da Costa Rica, Epsy Campbell, e duas especialistas em gênero e empoderamento econômico.

Elas analisam a importância da ferramenta da interseccionalidade para a inclusão econômica de mulheres negras. Os conteúdos foram gravados para o programa regional Ganha-Ganha: Igualdade de Gênero Significa Bons Negócios.

O programa é gerido por ONU Mulheres, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e União Europeia em Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Jamaica e Uruguai, e chamam governos e setor privado para reforçar as iniciativas para o empoderamento econômico das mulheres negras.

A vice-presidenta da Costa Rica, Epsy Campbell, assinala o sentido político da data. “O Dia da Mulher Negra Latino-Americana e da Diáspora é um dia de levantar a bandeira da justiça e da igualdade.”

“É um dia para reconhecer o aporte que as mulheres negras nos dão no desenvolvimento das nossas comunidades, dos nossos países e do mundo inteiro. É um dia para debater sobre as lacunas, que existem em nossa realidade. É um dia para construir democracias inclusivas, solidárias e sem discriminação.”

A quarta e última ação de visibilidade das mulheres negras, alusiva ao Dia Internacional, é a programação de quatro lives “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030” em tempos de crise e pandemia na plataforma Youtube no Canal Preto, criado pela parceria existente entre o Ministério Público do Trabalho, OIT e ONU Mulheres.

Entre 30 de julho e 20 de agosto, às quintas-feiras, das 10h às 12h, os temas Racismo e Economia, Racismo e Políticas de Assistência Social, Racismo e Saúde e Racismo e Territórios Negros serão articulados por integrantes do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, especialistas e apoiadoras públicas: a embaixadora da ONU Mulheres Brasil, Camila Pitanga, e as defensoras dos Direitos das Mulheres Negras da ONU Mulheres Brasil Kenia Maria e Taís Araújo.

Mulheres negras agem para enfrentar racismo e garantir direitos em meio à pandemia

A pandemia evidenciou o racismo, a violência e as desigualdades que afetam principalmente as mulheres negras no Brasil. Foto: EBC/Marcelo Camargo
A pandemia evidenciou o racismo, a violência e as desigualdades que afetam principalmente as mulheres negras no Brasil. Foto: EBC/Marcelo Camargo

A pandemia de COVID-19 tornou evidente o racismo, a violência e as desigualdades que afetam principalmente as mulheres negras no Brasil. Diante desse cenário, é preciso colocar os direitos humanos no centro das soluções.

A afirmação é da assistente social Lúcia Xavier, coordenadora da organização Criola e integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planta 50-50 em 2030, da ONU Mulheres Brasil.

A COVID-19 avança no Brasil e, até 22 de julho, havia mais de 2 milhões de diagnósticos de contágio e 81 mil óbitos, segundo monitoramento do Ministério da Saúde.

De acordo com estudo do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), negros morrem mais do que brancos na pandemia no Brasil: 54,8% em levantamento com cerca de 30 mil casos, realizado em maio, com base nos dados do Ministério da Saúde.

Diante das vulnerabilidades da população negra brasileira, que corresponde a mais de 118 milhões de pessoas, ou 56% da população, lideranças do movimento de mulheres negras chamam a atenção para os efeitos das discriminações de gênero e raça na resposta à pandemia.

“A sociedade brasileira não pode escolher sacrificar as mulheres negras nesse grave quadro de violência e violação dos direitos face ao impacto da pandemia no país. Queremos viver em um país democrático com direitos e dignidade. A solução das crises e da pandemia de COVID-19 no Brasil passam pela garantia de vida digna para as mulheres negras”, disse Xavier.

Vulnerabilidades das mulheres negras

Nilza Iraci, coordenadora de Comunicação da organização Geledés e integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, disse que a pandemia revelou “o retrato sem retoque de um país que insiste em não conhecer a si próprio, e onde o racismo institucional e a distopia ditam as regras de quem deve viver ou morrer”.

Ela lembrou que as mulheres negras se deparam com uma série de vulnerabilidades pela combinação de machismo e racismo.

“Em preto e preto, a pandemia escancarou que são as mulheres negras, pobres e periféricas as mais afetadas, pois além de estarem nas ruas e nas casas das patroas batalhando pelo sustento da família; enfrentando os cuidados com a casa, as crianças, os idosos, e os doentes e lutando por justiça, muitas vezes ainda convivem com a violência doméstica dentro de casa, que apontam índices alarmantes durante a quarentena.”

De Pernambuco, Mônica Oliveira, comunicadora, coordenadora da Rede de Mulheres Negras do Nordeste e integrante do Grupo Assessor da Sociedade Civil Brasil da ONU Mulheres, recuperou o histórico de mobilização das ativistas.

“As mulheres negras estão enfrentando o racismo durante a pandemia, ampliando as estratégias já atualizadas no combate ao racismo historicamente no Brasil. Nós estamos atuando com diferentes ações e frentes de luta”, afirmou.

Dentre as ações, Mônica citou o apoio direto, como a distribuição de cestas básicas com itens alimentares e de higiene pessoal e de limpeza, especialmente para a população negra nas periferias nas cidades.

Ela falou também sobre a importância do trabalho de comunicação comunitária por meio de “anuncicletas”, bicicletas com caixas de som que tocam áudios de mulheres que são lideranças em suas comunidades, transmitindo orientações de prevenção.

“Isso (está ocorrendo) porque nós percebemos que uma parte das mensagens que vêm sendo divulgadas pelo governo não alcançam e não são absorvidas por essas comunidades.”

Outra estratégia adotada é a incidência junto a gestores públicos. “Fizemos cartas e notas públicas, colocando a dimensão racial das desigualdades que se aprofundaram na pandemia, fazendo análises em torno disso e apresentando proposições.”

“Existem algumas peças fundamentais como o acesso a água. A nossa reivindicação é que sejam suspensos esquemas de racionamento de água nas comunidades.”

Controle social e diálogo com o poder público

A defesa pública de direitos conquistados, como os assegurados pelo Sistema Único de Saúde e pela Política Integral de Saúde da População Negra, também faz parte do controle social e do acionamento dos órgãos públicos.

“A exigência da divulgação de dados sobre COVID-19 com a variável cor é também uma luta, apesar de o quesito cor fazer parte dos formulários do Sistema Único de Saúde. Os governos de vários estados não estavam divulgando os dados”, explicou Mônica.

Integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, Mônica Oliveira falou também sobre o resultado da mobilização local do movimento de mulheres negras.

“Aqui em Pernambuco, a gente conseguiu que a partir de junho esses dados sejam divulgados nos boletins epidemiológicos. Essa também tem sido uma frente de luta. Aqui, os dados começaram a ser divulgados, mas não sobre os óbitos. Apenas sobre as pessoas testadas positiva ou situação grave pelo coronavírus.”

“Outra demanda foi da exigência de que o estado adotasse fila única para os leitos de UTI especialmente e que não fosse adotada nenhuma estratégia de escolha de que pacientes deveriam ser atendidos ou não, mas que fizessem fila única para acesso a leitos de UTI públicos e privados”, acrescentou.

Outra temática de ação política da Rede de Mulheres Negras do Nordeste é o enfrentamento da violência contra as mulheres.

“Em torno da questão da violência doméstica, que aumentou durante a pandemia, nós fizemos também demanda ao governo para que estabelecesse boletim de ocorrência online para oferecer atendimento a mulheres em situação de violência.”

Nova realidade

O rearranjo social nas etapas de flexibilização do isolamento social, chamado como “novo normal”, traz novos desafios às mulheres negras pelo aprofundamento das desigualdades de gênero e raça.

“O nosso histórico de combate ao racismo precede este momento e continuará. Para as mulheres negras, o ‘novo normal’ pós-COVID-19 não existe. Esse momento intensifica, justamente, as demandas que reivindicamos há séculos: a garantia de direitos básicos que inclui os que são sexuais e reprodutivos, bem como saneamento, moradia, formação, trabalho digno e a vida”, disse Thânisia Cruz, professora de francês, integrante da Articulação de Negras Jovens Feministas (ANJF) e do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030.

De acordo com Ana Lúcia Pereira, professora universitária, integrante dos Agentes de Pastoral Negros e do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, a eliminação do racismo permanece como questão central.

“Devemos enfrentar o racismo denunciando o tratamento desigual por parte de órgãos ou pessoas que prestam serviços de saúde e de proteção social, pois no polo inferior estão as mulheres negras. O ‘novo normal’ não comporta a omissão do Estado, nem o silêncio diante da violência doméstica, da fome ou do alto custo dos alimentos”, enfatizou.

O Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 é parceiro da ONU Mulheres Brasil no desenvolvimento de estratégia de comunicação e advocacy público para a priorização das mulheres negras na resposta do Brasil aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e à Década Internacional de Afrodescendentes.

Mulheres negras inovam em estratégias de apoio comunitário na resposta à COVID-19

Pandemia gera novos desafios para resposta da Agenda 2030 e da Década Internacional de Afrodescendentes às mulheres negras e à eliminação das desigualdades de gênero e raça no Brasil. Foto: ONU Mulheres/Mayara Varalho
Pandemia gera novos desafios para resposta da Agenda 2030 e da Década Internacional de Afrodescendentes às mulheres negras e à eliminação das desigualdades de gênero e raça no Brasil. Foto: ONU Mulheres/Mayara Varalho

Fome. Desemprego. Aumento da violência doméstica e familiar. Prevalência entre as vítimas fatais do novo coronavírus. Este é o quadro de vulnerabilidades da população negra brasileira, que foi acentuado, ao longo dos últimos quatro meses, pela pandemia de COVID-19 no Brasil.

A informação foi transmitida pelo Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 em reunião na semana passada com a equipe da ONU Mulheres no país, liderada pela representante Anastasia Divinskaya.

Constituído em 2017, o Comitê Mulheres Negras tem colaborado com a ONU Mulheres para atingir os objetivos da Agenda 2030 e da Década Internacional de Afrodescendentes, tendo como foco as mulheres negras, um dos grupos mais vulneráveis às discriminações de gênero, raça e outras formas de opressão.

A pandemia tem levado organizações e coletivos liderados por mulheres negras, país afora, a inovar nas estratégias políticas de enfrentamento do racismo e de apoio comunitário à população negra na resposta à COVID-19.

Para Clátia Vieira, integrante do Comitê Mulheres Negras pelo Fórum Nacional das Mulheres Negras, o impacto da pandemia agrava a situação já revelada pela Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, que reuniu mais de 50 mil afro-brasileiras em novembro de 2015.

“Em 2015, a Marcha fez um diagnóstico aprofundado da situação da população negra brasileira. No pós-2015, vemos um processo de desconstrução de políticas e precarização do pouco que se tinha. A pandemia mostra que há mais de 20 milhões de pessoas no Brasil sem registro civil, como vimos na dificuldade de acesso ao plano emergencial. A questão é: como essas pessoas estavam vivendo?”, questionou.

Na avaliação de Vieira, “o maior problema é a fome”. Ela cita também a violência contra as mulheres negras, algo que precisa ser discutido com profundidade e urgência de ações de prevenção. Vieira também lembrou relatos de violência sexual e patrimonial durante a entrega de cestas básicas em favelas e morros do Rio de Janeiro (RJ).

Racismo e participação das mulheres negras

Lúcia Xavier, da organização Criola e componente do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, chamou a atenção para a temporalidade da pandemia da COVID-19, cujos efeitos poderão se desdobrar por anos.

“O racismo é um problema estrutural. Mas, agora, fala da nossa vida. Estamos na linha da morte. É preciso ampliar a participação das mulheres negras e a capacidade de interferir em novos problemas. As pessoas estão negociando as suas vidas para comer”, frisou.

Regina Adami, do Ìrohìn – Comunicação e Memória Afro-brasileira e integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-5o em 2030, lembrou a proximidade dos 20 anos da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, que serão completados em 2021, e a “atualidade do debate sobre racismo no mundo, da discriminação racista e da xenofobia”.

Ela ressaltou que é “preciso pensar coletivamente o Estado brasileiro e as políticas públicas, pois, sem elas, as crises decorrentes da pandemia não serão superadas”.

Ampliação das vulnerabilidades

Nilza Iraci, do Geledés – Instituto da Mulher Negra e integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, afirmou que a instituição tem apoiado mães de jovens negros assassinados, população de rua e prostitutas da região central de São Paulo (SP).

“Não é só distribuição de cesta básica, temos incentivado as mulheres para que elas produzam máscaras e sabonetes para venda. Assim, elas não são somente receptoras, mas estão produzindo para ter dinheiro e cobrir as necessidades.”

Valdecir Nascimento, do Odara – Instituto da Mulher Negra e secretária-executiva da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), lembrou que “a vulnerabilidade negra está colocada em todas as pandemias”. “E, dentro da pandemia de COVID-19, acontecem outras pandemias: a da violência contra as mulheres, a da violência policial contra a juventude negra, a da violência no campo”, enumerou.

As organizações da sociedade civil buscam soluções diante dos impactos socioeconômicos da pandemia sobre a população negra. A mobilização envolve redes de costura solidária, agricultura familiar, trabalhadoras domésticas, marisqueiras, catadoras e mães de jovens negros assassinados.

“Na área de comunicação, áudios e vídeos facilitam a comunicação com a comunidade, inclusive com as pessoas que desrespeitam o isolamento social. Estamos distribuindo cestas básicas para comunidades de terreiros e mulheres trans. É preciso redefinir novos caminhos de atuação do ponto de vista político. É a prática do bem viver para além dos discursos”, completou Valdecir Nascimento, membra do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030.

Especificidades da população negra

Para as comunidades quilombolas, a estratégia tem sido fazer alianças nos territórios quilombolas e para além deles.

Givânia Silva, membra do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), afirma que, com a interiorização da pandemia, a situação dos quilombos vai piorar.

A dificuldade de lidar com as novas tecnologias ainda concentra trabalho em algumas pessoas da entidade, mas também permite conversas por meio de lives, como ocorreu durante os 24 anos da Conaq, em maio, até o monitoramento de contágios e óbitos.

Ana Lúcia Pereira, da entidade Agentes de Pastoral Negros (APN) e integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, manifestou a preocupação com a segurança alimentar e nutricional da população negra, exclusão digital e educação a distância.

Quase 50 milhões de brasileiros dizem ter sofrido constrangimento em abordagem policial

Foto: EBC/Marcelo Camargo
Foto: EBC/Marcelo Camargo

A série de webinários Fórum Data Favela, promovido pela Central Única das Favelas (Cufa), Instituto Locomotiva e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no Brasil, teve a sua quarta e última edição na quarta-feira (8).

Com o tema “Periferia, Racismo e Violência”, o encontro discutiu a violência nas áreas de periferia e abordou também a atuação da polícia nas favelas.

Participaram do encontro a diretora e representante da UNESCO no Brasil, Marlova Noleto; o CEO do Favela Holding e fundador da Cufa, Celso Athayde; o presidente e fundador do Instituto Locomotiva, Renato Meireles; o secretário-executivo da Polícia Militar de São Paulo, coronel Álvaro Baptista Camilo; o ouvidor das Polícias de São Paulo, Elizeu Soares Lopes; a coordenadora da Rede de Observatórios de Segurança/CESEC, Silvia Ramos; a coordenadora do Instituto Marielle Franco, Marcelle Decothé; e o rapper e compositor Rappin’ Hood.

De acordo com uma pesquisa inédita apresentada pelo Instituto Locomotiva no encontro, 49 milhões de brasileiros declararam já ter sofrido algum tipo de constrangimento em uma abordagem policial – como agressão verbal, agressão física, pedido de dinheiro etc.

A pesquisa indicou ainda que 64% dos homens negros das classes C, D e E disseram já ter sido abordados pela polícia de modo agressivo e apenas 5% dos brasileiros disseram acreditar que a polícia não é racista, lembrou o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meireles.

Os participantes também citaram casos de grande repercussão, como o do menino João Pedro Matos, de 14 anos, que morreu baleado após uma ação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), e do norte-americano George Floyd, homem negro asfixiado por um policial branco em Mineápolis, nos Estados Unidos. Também mencionaram a escalada de violência envolvendo policiais no Rio de Janeiro (RJ) registrada pela Rede de Observatórios de Segurança.

O secretário-executivo da Polícia Militar de São Paulo, coronel Camilo Álvaro Baptista, afirmou que a polícia do estado não compactua com atitudes de violência. “Nosso esforço é enorme. Estamos abertos a aprender e a rever procedimentos de gestão da nossa conduta. Nos preocupamos com os direitos humanos e em tratar as pessoas como nós gostaríamos de ser tratados”.

A diretora da UNESCO no Brasil, Marlova Noleto, lembrou que as Nações Unidas coordenam, há anos, a campanha Vidas Negras.

“Sabemos do esforço da polícia e também sabemos das dificuldades da população negra. Acredito que todas as organizações precisam ser transformadas. É preciso um esforço para combater o racismo e não permitir nenhuma ação que possa levar a uma situação de racismo estrutural. É um debate extremamente necessário e está sendo muito rico ouvir todas as diferentes perspectivas. O que precisamos entender é que existe, de fato, uma preocupação com os direitos humanos.”

A quarta edição da série “Fórum Data Favela” contou com ampla participação dos internautas. Todas as outras edições do fórum já estão disponíveis e podem ser acessadas no canal da UNESCO no YouTube.

Foto: UNESCO