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Todas as pessoas devem ter acesso a espaços públicos verdes, diz publicação da ONU

O Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (UNOPS) e o Instituto Semeia participaram na semana passada de dois eventos online sobre a publicação “Parques para Todas e Todos“, abordando a importância de garantir o acesso de todas pessoas aos espaços públicos verdes.

Nos eventos, discutiu-se como as equipes de gestão pública podem trabalhar para incluir a perspectiva de gênero em sua atuação.

Na quinta-feira (23), Lívia Alen, ponto focal de gênero do UNOPS no Brasil, e o coordenador de projetos do Instituto Semeia, Rodrigo Góes, conversaram com a presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina (CAU/SC), Daniela Sarmento.

O evento foi promovido pela Escola do Legislativo do Estado de Santa Catarina e pode ser visto na página da Escola do Legislativo no Facebook.

Na sexta-feira (24), Alen, o também coordenador de projetos do Instituto Semeia, Victor Hugo Costa, e a analista técnica de Meio Ambiente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Sofia Zagallo, estiveram em uma edição do Bate-Papo CNM.

A conversa foi acompanhada por equipes de diversas prefeituras brasileiras que tiveram a oportunidade de contribuir com perguntas e comentários. A gravação está disponível no canal da CNM no Youtube.

O documento “Parques para Todas e Todos – Sugestões para a implantação de parques urbanos com perspectiva de gênero” pretende inspirar o poder público a construir espaços mais diversos a partir da inserção da perspectiva de gênero em parques urbanos, seja na implantação ou na gestão.

A publicação pode ser baixada gratuitamente e é fruto do trabalho conjunto de UNOPS, Instituto Semeia, ONU Mulheres e Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS).

Clique aqui para acessar a publicação.

Oficiais de UNOPS e Instituto Semeia participaram de eventos online sobre a publicação "Parques para Todas e Todos". Foto: UNOPS
Oficiais de UNOPS e Instituto Semeia participaram de eventos online sobre a publicação “Parques para Todas e Todos”. Foto: UNOPS

Cozinha&Voz lança 2ª turma online de curso de capacitação profissional

Para alunos e professores, o primeiro dia de aula é sempre uma combinação de entusiasmo, planos para o futuro e expectativa. E foi isso o que se viu na sala de aula virtual do curso promovido pelo projeto Cozinha&Voz, que lançou a segunda turma online na última segunda-feira (20).

“Eu estou muito emocionado, sou o único aluno transexual da minha faculdade e adoro aprender. Espero aprender sobre dança, poesia, música, e o que mais gosto, a culinária”, disse Klaus Antônio Miranda, estudante de turismo de 20 anos e aluno do Cozinha&Voz de Brasília (DF).

Klaus faz parte da turma de 50 alunos e alunas, homens e mulheres transexuais de Brasília, São Paulo e Espírito Santo. Assim como Klaus, muitas dessas pessoas estão desempregadas e, em meio e apesar da pandemia, buscam garantir a capacitação profissional.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam um aumento de 26% no número de desempregados no Brasil só entre a primeira semana de maio e a quarta semana de junho, durante a pandemia da COVID-19. São 2,6 milhões de brasileiros que perderam o emprego em apenas sete semanas.

O Cozinha&Voz faz parte de uma ampla iniciativa de promoção do trabalho decente para pessoas em situação de vulnerabilidade, desenvolvida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), com apoio da chef Paola Carosella e da Casa Poema.

Criado na forma de aulas presenciais em 2017, o projeto promove a capacitação profissional por meio de um curso de assistente de cozinha, visando aumentar a empregabilidade de pessoas em situação de exclusão e vulnerabilidade socioeconômica.

A primeira turma da versão online do Cozinha&Voz foi lançada em abril passado e conta ainda com o apoio do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS).

“A possibilidade de começar uma segunda turma do Cozinha&Voz Web demonstra os bons resultados que conseguimos na primeira turma”, disse a oficial técnica de Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT, Thaís Faria.

“Começamos essa segunda turma com mais experiência e muito mais segurança de fazer um trabalho que seja acolhedor, mas forte o suficiente para proteger as pessoas durante a pandemia e garantir que elas possam sair desse período com geração de renda.”

Os alunos e as alunas irão participar de aulas diariamente ministradas online, por um período de três meses. Cada participante recebe também uma bolsa de auxílio mensal no valor de 500 reais durante todo o curso, com a contrapartida de participar e permanecer em isolamento.

Por videoconferência, conversas e aulas virtuais, o projeto oferece aulas de música, dança, poesia, palestras e debates sobre temas como saúde, racismo estrutural, discriminação e violência contra a população LGBTQI+. Especialistas, procuradores do MPT de vários estados, representantes do UNAIDS e da OIT participam de palestras.

A experiência reunida na implementação do projeto Cozinha&Voz no formato virtual levou à criação de novos módulos do curso: o Roda de Leitura, no qual a turma faz leitura comentada de um livro; e o Troca de Saberes, onde um(a) aluno(a) compartilha uma habilidade ou um conhecimento com os (as) colegas.

O Cozinha&Voz também trouxe para a versão a distância o apoio e cursos do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), que ensinam e estimulam o empreendedorismo.

Empregabilidade contra a exclusão

A aula inaugural da segunda turma do curso contou com as presenças de dez procuradores(as) do MPT de Espírito Santo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e São Paulo, entre eles, a vice-coordenadora Nacional do MPT, Ana Lúcia Gonzales, e a coordenadora nacional de Coordigualdade da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidade e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT, Adriane Reis de Araújo.

“É um trabalho relevante e a gente espera, com projetos como este, promover a empregabilidade e a transformação da sociedade”, disse Adriane Araújo.

A procuradora e gerente do projeto do MPT de Empregabilidade da População LGBTQI+, Sofia Vilela, destacou que procuradores de outros estados estavam assistindo à aula inaugural, uma vez que há interesse de levar o projeto para outras localidades.

“É bem interessante porque nós discutimos empregabilidade, racismo estrutural e a parte lúdica, a dança, a música, a poesia. Agora, durante a pandemia, além disso tudo, tem a questão financeira, que o projeto traz para essa população vulnerável”, disse ela.

“A gente estava tentando levar o Cozinha&Voz presencial para Brasília há algum tempo e não conseguia, e estamos fazendo nesse novo formato, criativo, em um momento importante”, declarou a subprocuradora-geral do Trabalho, Sandra Lia Simon.

“Eu vinha há algum tempo observando o projeto e agora estou feliz com o fato de o Cozinha&Voz ter chegado a Brasília”, reforçou o procurador do Distrito Federal e representante regional da Coordigualdade, Charles Silvestre.

Do Espírito Santo, a procuradora do MPT Sueli Teixeira Bessa disse que espera conhecer cada um(a) dos alunos(as) presencialmente em algum momento e que irá, sempre que possível, participar virtualmente das aulas.

A assessora de Apoio Comunitário do UNAIDS, Ariadne Ribeiro, falou sobre os temas que vai debater com a turma: infecções sexualmente transmissíveis, HIV e saúde mental. “Quero muito construir conhecimento com vocês. Eu não estou aqui para ensinar, estou aqui para trocar conhecimento”, disse.

A coordenadora técnica do Cozinha&Voz, a atriz e poeta Elisa Lucinda, disse que o projeto busca fazer com que, no futuro, todos sejam representados na sociedade. “Você luta contra a desigualdade, excluindo?! Não, não é possível. Nosso trabalho é mexer nas palavras, na voz de cada um na busca por uma representatividade mais justa.”

Discriminação afeta saúde e acesso de pessoas LGBTQI+ ao mercado de trabalho

Deterioração da saúde mental, dificuldade em acessar as políticas de assistência social e agravamento da discriminação estão entre os principais impactos da pandemia identificados por membros da comunidade LGBTI no Brasil. Foto: UNFPA
Deterioração da saúde mental, dificuldade em acessar as políticas de assistência social e agravamento da discriminação estão entre os principais impactos da pandemia identificados por membros da comunidade LGBTI no Brasil. Foto: UNFPA

O estigma social e o preconceito vivenciado por pessoas LGBTQI+ ao longo da vida as colocam em situações de vulnerabilidade que afetam desde sua saúde até a entrada e manutenção no mercado de trabalho.

Na semana passada (15), o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), em parceria com a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), realizou a 12ª edição da série de webinários “População e Desenvolvimento em Debate”. Especialistas debateram sobre as “Pessoas LGBTQI+ no Brasil, vulnerabilidade e impactos da COVID-19”.

Samuel Araújo, doutorando da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), compartilhou resultados do estudo realizado pelo coletivo #VoteLGBT em parceria com Pesquisa Manas.

De acordo com ele, cerca de 43% da população LGBTQI+ disse ter tido a saúde mental afetada na pandemia. “Sabemos que a saúde mental da população LGBTQI+ no Brasil é mais fragilizada, e estamos vendo como isto está se aprofundando na pandemia”, disse. O afastamento da rede de apoio e a falta da fonte de renda são, respectivamente, os impactos mais presentes na população.

Dentro desta mesma pesquisa, foi criado um índice de vulnerabilidade ao novo coronavírus entre a população LGBTQI+. “Quando comparam pessoas cis e pessoas trans, as trans estão na faixa grave de vulnerabilidade, o mesmo acontece quando pessoas pretas, pardas e indígenas são comparadas com pessoas brancas e amarelas. Em relação à orientação, gays são menos vulneráveis, depois lésbicas e depois bissexuais”, explicou.

A presidenTRA da Associação Brasileira de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e intersexos (ABGLT), Symmy Larrat, disse compartilhar preocupações sobre os impactos que a pandemia do novo coronavírus tem sobre a população LGBTQI+.

Larrat citou alguns dos efeitos que vem monitorando, com foco em travestis e transexuais, entre eles, dificuldade com documentação para receberem auxílios do governo; dificuldade em aderir ao o isolamento social e o aumento da violência nas ruas e dentro de casa.

Andrey Lemos, presidente da União Nacional LGBT, fez uma breve análise da história da homossexualidade no Brasil e sobre como 300 anos de criminalização das pessoas LGBTQI+ resultou na realidade atual.

“Se nós temos um histórico de construção de desigualdade e de violência contra essa população LGBT no Brasil, consequentemente temos violações de direitos. Em um momento em que vivemos uma pandemia sanitária junto com uma crise mundial econômica, todos os setores da sociedade serão impactados diretamente, mas de forma muito mais perversa”, disse.

A mediação do webinário foi feita por Maira Covre Sussai, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

A cada semana, a série “População e Desenvolvimento em Debate” promovida por UNFPA e ABEP, realiza discussões entre academia, governo e sociedade civil sobre temas emergentes na Agenda de População e Desenvolvimento.

Na próxima quarta-feira (22) o tema será: “O impacto da COVID-19 na vida das mulheres negras”, em alusão ao Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha.

Acompanhe no perfil do UNFPA no Youtube: youtube.com/unfpabrasil.

Redução das desigualdades é necessária para fim da epidemia de AIDS, diz nova diretora do UNAIDS Brasil

As respostas dos países à AIDS tiveram grande sucesso ao colocar as pessoas vivendo com HIV em tratamento e ao reduzir as mortes, mas o progresso na redução de novas infecções continua atrasado, principalmente entre jovens e populações-chave.

A avaliação é da bióloga norte-americana Claudia Velasquez, que assumiu esta semana (16) o posto de diretora de país e representante do escritório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) no Brasil.

“Se não enfrentarmos as desigualdades, o estigma e a discriminação, estes fatores continuarão formando as barreiras que nos impedem de alcançar o fim da epidemia. A pandemia de COVID-19 deixou bem claro para todos nós como as desigualdades afetam o acesso aos cuidados de saúde”, disse Velasquez em entrevista ao UNAIDS Brasil.

Para a especialista, é necessário pressionar para que uma “vacina popular” para a COVID-19 seja produzida o mais rápido possível e disponibilizada gratuitamente a todas as pessoas. “Precisamos também incentivar políticas de dispensação de antirretrovirais para vários meses”, declarou.

Segundo ela, as inovações de base comunitária estão ajudando a resolver problemas relacionados às interrupções do serviço de HIV em muitas partes do mundo, e devem ser incluídas e apoiadas nas respostas nacionais à COVID-19.

Velasquez ocupava desde 2017 o posto de assessora sênior de Intervenção Estratégica no escritório do UNAIDS para a África do Sul, onde trabalhou com foco na abordagem de fatores sociais e estruturais para a resposta ao HIV em cidades e programas de base comunitária.

Ela iniciou sua carreira na ONU como assessora de Informação Estratégica no escritório do UNAIDS em Angola, orientando o desenvolvimento de estimativas de HIV e fortalecendo a capacidade local de reportar sobre a epidemia e a resposta.

Antes de ingressar no UNAIDS, foi oficial técnica para pesquisa no Instituto de Saúde Reprodutiva da Universidade de Georgetown, em Washington D.C., liderando os esforços de pesquisa operacional em serviços de saúde sexual e reprodutiva para adolescentes, mulheres e homens nas comunidades. Também tem experiência como epidemiologista no Escritório de Saúde Pública do Estado da Louisiana, nos Estados Unidos.

Com mestrado em Saúde Pública em Saúde Internacional – com foco em monitoramento e avaliação e pesquisa operacional – e graduação em Biologia, ambos pela Tulane University, Velasquez fala inglês, espanhol e português. Ela é casada e tem três filhos.

Confira abaixo trechos de uma entrevista feita com ela para o site do UNAIDS Brasil.

UNAIDS BRASIL: Olhando para sua trajetória na resposta ao HIV até agora, como você resumiria algumas de suas principais lições aprendidas e desafios superados?

Velasquez: Trabalho em saúde pública há muitos anos, enfrentando muitos desafios, e aprendi com isso muitas lições ao longo deste caminho. Desde a minha primeira experiência trabalhando com direitos sexuais e reprodutivos junto a mulheres em comunidades rurais do Marrocos e depois pesquisando o impacto da cultura em suas decisões de saúde, eu enfrentei o desafio de ser uma pessoa de fora, abordando questões que não eram necessariamente vistas como problemas. Esta foi minha primeira lição: aprender a ouvir as pessoas da comunidade e entender seu ponto de vista, construindo confiança e demonstrando que eu estava lá para apoiá-las. Tendo crescido nos EUA, foi uma lição de humildade e respeito.

Depois deste meu período no Marrocos, voltei aos EUA para trabalhar em escritórios estaduais de saúde pública analisando tendências de morbimortalidade e, nesse ponto, comecei a rastrear dados sobre HIV, infecções sexualmente transmissíveis (IST) e outras doenças não transmissíveis que me lançaram para o trabalho em monitoramento e avaliação.

Esse foi um período interessante, porque eu compreendi profundamente os dados e como usar essas evidências para fazer advocacy por mudanças em políticas de saúde. Embora eu já tivesse reunido dados qualitativos e quantitativos durante meu período no Marrocos, foi a primeira vez que vi o poder que as estatísticas e dados têm para provocar mudanças.

O aprendizado sobre a importância do levantamento de dados trouxe à tona outros desafios. Entre eles, o fato de que este tipo trabalho sobre as doenças pode ser muito sensível, dependendo da natureza das informações e de como elas serão usadas. O aprendizado, neste caso, foi sobre a importância de trazer a bordo, durante todo o processo, todas as pessoas tomadoras de decisão e também sobre chegar a um acordo a respeito de como as informações serão usadas para melhorar os programas.

Em 2000, voltei para a área internacional focando novamente em direitos sexuais e reprodutivos entre mulheres e adolescentes, desta vez na América Latina, Caribe e África. E, em 2005, tive a oportunidade de contribuir para o desenvolvimento de uma estratégia de HIV na América Central que reuniu populações-chave e profissionais de saúde para identificar lacunas na qualidade dos serviços e desenvolver soluções conjuntas.

Eu diria que essa foi minha transição, de fato, para passar a trabalhar em tempo integral na resposta ao HIV. Os desafios para trabalhar com populações-chave eram muitos e eu aprendia com elas a tamanho de sua luta por direitos humanos básicos, incluindo acesso a serviços de saúde de qualidade. Eu conheci e aprendi com algumas das lideranças ativistas mais combatentes e determinadas, que trabalham incansavelmente com pouco – ou muitas vezes nenhum recurso – para garantir que suas vozes sejam ouvidas.

Assumi meu primeiro posto no UNAIDS, em 2008, como assessora para Monitoramento e Avaliação no Escritório de país em Angola. Tínhamos muito o que fazer, estávamos começando praticamente do marco zero em algumas frentes. Os desafios da vida cotidiana e do trabalho em Angola eram muitos. Eu me senti pequena diante da ampla necessidade de reconstrução da infraestrutura de saúde, uma área que ainda lutava para restabelecer seus sistemas e serviços após anos de conflito. Aprendi a ter muita paciência, entender o contexto da resposta ao HIV no país e ajudá-los a começar a usar suas evidências para pressionar por mais recursos e para o estabelecimento de programas.

Essa foi uma luta compartilhada entre todos os parceiros, tanto da ONU quanto parceiros bilaterais. Trabalhando na resposta ao HIV nestas condições, aprendemos a trabalhar juntos, já que era impossível realizar este trabalho de forma isolada. Nessa experiência, vivi o que chamamos de trabalho de equipe em sua melhor expressão.

Depois de Angola, tive a oportunidade de ingressar na equipe de apoio regional para a América Latina e o Caribe, no Panamá, como assessora sênior de Informações Estratégicas, apoiando os escritórios nacionais do UNAIDS, contrapartes e parceiros nacionais para gerar e usar evidências sobre a epidemia de HIV.

Tive a sorte de já estar familiarizada com muitos parceiros da região, tendo trabalhado com vários deles antes de ingressar no UNAIDS. Durante esse período, fui confrontada com uma resposta ao HIV que não estava entre as prioridades na maioria dos países da região e com grandes desafios na obtenção de dados de qualidade sobre a epidemia e sobre a resposta.

Aprendi a ser criativa e inovadora ao mobilizar recursos para a coleta de dados e constantemente buscar visibilidade sobre a epidemia e os principais problemas na região por meio de dados e evidências.

UNAIDS BRASIL: Como foi, do ponto de vista pessoal e profissional, a experiência de trabalhar com a resposta ao HIV na África do Sul, país que segue sendo o epicentro da epidemia de HIV no mundo?

Velasquez: Depois destes anos no escritório regional da América Latina, fiquei empolgada por poder voltar ao continente africano e ter oportunidade de aprender com colegas nacionais sobre o país com o maior ônus do HIV no mundo. Foi uma experiência incrível do ponto de vista profissional e pessoal. Na África do Sul eu troquei o chapéu da área de Informação Estratégica para o da área de Intervenção Estratégica, que tinha um foco em prevenção e estratégias inovadoras para programas de HIV.

Refletir sobre a história da resposta na África do Sul é algo impressionante e, ao mesmo tempo, inspirador quando analisamos desde os difíceis dias quando não eram possível obter o tratamento antirretroviral até os dias atuais, em que o país conta com um dos maiores programas de tratamento do mundo. É um país com alguns dos pesquisadores mais talentosos e reconhecidos analisando as mais recentes estratégias e ensaios clínicos sobre HIV. Pude acompanhar de perto diversas pesquisas de ponta e vê-las sendo transformadas em programas.

Também tive a sorte de trabalhar com uma base forte de ativistas, movidos pelos incansáveis esforços conjuntos para provocar mudanças através de suas lideranças, tanto local quanto nacionalmente. São grandes responsáveis pelo sucesso atual da resposta ao HIV na África do Sul. Entre alguns dos exemplos concretos deste trabalho conjunto esteve o desenvolvimento de um sistema de monitoramento para serviços de HIV de base comunitária, permitindo que os esforços de advocacy destas lideranças locais produzissem evidências concretas de maneira sistemática.

Mas é claro que não faltaram desafios. Devido ao grande número de parceiros e o tamanho da resposta ao HIV no país, é um grande desafio coordenar esforços e responder a todas as solicitações. Aprendi a ser paciente, arregaçar as mangas e fornecer suporte técnico para o avanço de estratégias. Outra lição importante: dar um passo de cada vez – um programa de cada vez – e pressionar para que resultados sejam demonstrados.

Ao mesmo tempo, aprendi também que os ganhos obtidos na resposta ao HIV na África do Sul são frágeis quando consideramos o nível de desigualdade e as barreiras sociais e estruturais ao acesso a serviços de saúde, um ponto que a diretora executiva do UNAIDS, Winnie Byanyima, sempre destaca em seus discursos.

UNAIDS BRASIL: O UNAIDS divulgou no início de julho o Relatório Global sobre AIDS 2020. Quais são algumas das mensagens que você considera mais relevantes, especialmente neste contexto da COVID-19?

Velasquez: Há muitas mensagens importantes vindas do nosso relatório. A resposta ao HIV nos deu lições fundamentais para respondermos à pandemia de COVID-19. Uma delas é a de que já estávamos fora do caminho para conseguir cumprir as metas de 2020 e a pandemia de COVID-19 nos desviou ainda mais desta trilha.

Neste sentido, precisamos pressionar para que a “vacina popular” seja produzida o mais rápido possível e disponibilizada gratuitamente a todas as pessoas. Precisamos também incentivar políticas de dispensação de antirretrovirais para vários meses. As inovações de base comunitária estão ajudando a resolver problemas relacionados às interrupções do serviço de HIV em muitas partes do mundo e devem ser incluídas e apoiadas nas respostas nacionais à COVID-19.

É motivador ver que a infraestrutura para o HIV esteja sendo usada na resposta ao coronavírus e que ativistas de todo o mundo estejam trabalhando duro para garantir que as interrupções dos serviços de HIV sejam minimizadas. Porém, precisamos ter cuidado para não usar recursos de uma doença para tratar outra. A resposta a uma nova epidemia não deve substituir a resposta a outras já epidemias existentes.

O relatório também nos lembra que a crise da AIDS continua e que ela é alimentada pelas desigualdades. As respostas dos países à AIDS mostraram grandes sucessos ao colocar as pessoas vivendo com HIV em tratamento e ao reduzir as mortes, mas o progresso na redução de novas infecções continua atrasado, principalmente entre jovens e populações-chave.

Se não enfrentarmos as desigualdades, o estigma e a discriminação, estes fatores continuarão formando as barreiras que nos impedem de alcançar o fim da epidemia. A pandemia de COVID-19 deixou bem claro para todos nós como as desigualdades afetam o acesso aos cuidados de saúde.

Enquanto na África, por exemplo, a desigualdade de gênero impede que uma maioria de mulheres e meninas exerçam o direito e sua capacidade de fazer escolhas em relação à sua saúde, na América Latina, além das questões de gênero, as desigualdades e a discriminação em relação às pessoas mais afetadas pelo HIV, em especial as populações-chave, impedem que elas exerçam seu direito de acesso aos serviços de saúde, com respeito e dignidade.

Considero também importante destacar que os sucessos na resposta à AIDS são uma prova de que somos capazes de acabar com esta epidemia enquanto ameaça à saúde pública, mas nosso fracasso em dar escala a estes resultados bem-sucedidos é um lembrete do tamanho da tarefa que temos diante de nós.

Precisamos encontrar os “pontos críticos” da epidemia de AIDS. Existem dados suficientemente detalhados para sabermos onde estão ocorrendo as novas infecções por HIV, onde estão ocorrendo as mortes relacionadas à AIDS e entre quais populações.

A resposta ao HIV precisa ser descentralizada, ganhar um olhar local, para que não deixemos ninguém para trás, principalmente as pessoas mais marginalizadas.

Projeto Balaio ajuda mais de 800 pessoas LGBTI e pessoas vivendo com HIV em SP

Fotos; UNAIDS
Fotos; UNAIDS

O Projeto Balaio: saúde, inclusão e comunidade, liderado pela ONG Instituto Cultural Barong, em São Paulo (SP), concluiu em junho a entrega de mais de 390 cestas básicas de alimentos, itens de higiene e limpeza, kits de saúde e prevenção sexual.

As cestas e kits já beneficiaram mais de 800 pessoas LGBTI e pessoas que vivem com HIV em situação de extrema vulnerabilidade na capital paulista.

O Projeto Balaio é uma iniciativa da organização não governamental Barong, de São Paulo, em parceria com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) e conta com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), do Centro de Referência da Diversidade (CRD) e Pela Vidda/SP, do Centro de Referência e Tratamento de DST Aids de São Paulo (CRT/SP), da AIDS Health Foundation (AHF) no Brasil e da DKT Prudence.

O objetivo do projeto é mitigar os impactos secundários da pandemia?de?COVID-19 entre as pessoas vivendo com HIV e populações mais afetadas pela epidemia, incluindo pessoas LGBTI+ que vivem na cidade. Além de alimentos e produtos de limpeza, o projeto fez a distribuição de botijões de gás para as pessoas em situação de maior vulnerabilidade.

Foto: UNAIDS
Foto: UNAIDS

Também faz parte do Projeto Balaio,? com o apoio do CRT/SP,? uma estratégia-piloto de base comunitária para entrega de medicamentos antirretrovirais, distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para pessoas vivendo com HIV?e?que tenham fatores acrescidos de risco para a COVID-19 ou estejam enfrentando dificuldades para ir aos serviços de saúde.

“À medida que conseguimos mais recursos, nosso plano é também conseguir ampliar o cadastro para ajudar mais pessoas”, diz Marta Mc Britton, diretora-presidente do Barong. “Estamos vivendo um momento muito difícil, mas também uma grande onda de solidariedade. Por isso acreditamos no sucesso e na perenidade do Projeto Balaio.”

A cidade de São Paulo tem sido uma das mais afetadas pelo novo coronavírus em todo o Brasil desde o início da pandemia. Um levantamento recente revelou que cerca de 16% da população nos bairros mais pobres da cidade foi infectada. Até o dia 29 de junho, a cidade tinha registrado 150.910 casos e 12.314 mortes. Isso representa um aumento de mais de 100% em relação aos números de um mês atrás.

“Uma pesquisa feita pelo UNAIDS com pessoas vivendo com HIV, logo no início da pandemia, deixou muito evidente que esta parcela mais pobre e excluída da população sofreria com uma ampliação destas vulnerabilidades num contexto como este”, explica Cleiton Euzébio de Lima, diretor interino do UNAIDS no Brasil. “Estas são populações prioritárias para o UNAIDS, o que nos levou a buscar uma parceria com o Barong para que, com sua experiência de campo, este trabalho pudesse ser realizado com êxito.”

Foto: UNAIDS
Foto: UNAIDS

A expectativa é de que mais 550 cestas de alimentos e de kits de higiene, além de 550 kits de saúde e prevenção sexual, sejam distribuídos em julho. O objetivo do projeto é ir além desta fase inicial e conseguir levantar doações corporativas e de?pessoas físicas – que tenham disposição e condições de ajudar – a fim de torná-lo sustentável ao longo de 2020.

Mobilização de doações

O UNAIDS e o Barong realizaram, no primeiro semestre, diversas atividades para mobilização de doações para o projeto.

Em maio, o UNAIDS convidou alguns dos maiores empresários e DJs da cena eletrônica LGBTI+ do Brasil para deixar, nas redes sociais, uma mensagem sobre questões como a importância de ficar em casa, de cuidar da saúde mental e de aderir a uma onda de solidariedade para ajudar a comunidade LGBTI+ e de pessoas vivendo com HIV em situação de extrema vulnerabilidade.

Além de contribuírem com a participação nos vídeos, os empresários fizeram doações para o Balaio, o que permitiu a compra de mais cestas básicas e kits de higiene e limpeza para diversas pessoas LGBTI+ em situação de vulnerabilidade. Clique aqui para saber mais. 

Apoie o Projeto Balaio! Clique aqui e saiba como.